A agonia do Cedro: em mais de 100 anos, açude quixadaense seca completamente pela 7ª vez

compartilhar no:
Açude Cedro: o centenário reservatório seca completamente pela sétima vez (Foto: Lutero Rômulo)

Quixadá: O Cedro, o mais famoso cartão-postal de Quixadá e a mais antiga obra hídrica do Brasil, revive o seu maior dilema. Cinco anos depois de secar completamente, o açude agoniza novamente e está completamente seco, com suas últimas gotas d’água para contar a história.

Os dados que comprovam a morte do Cedro enquanto reservatório de água, são confirmados pelo Portal Hidrológico do Ceará, da Companhia de Gestão e Recursos Hídricos (Cogerh). O sistema mostra que o açude quixadaense está com 0%.

A última gota d’água que existia no açude secou no dia 24 de novembro. Desde então a Cogerh nem sequer realiza mais o monitoramento do volume. Por uma razão simples: não há mais água para monitorar. Tudo o que há lá, agora, é o chão rachado que traz à tona uma das imagens que mais agonizam o nordestino: a seca.

Problema histórico

Em 2016 Cedro secou pela última vez e provocou uma cadeia de consequências ambientais

É bem verdade que já faz algum tempo que o açude quixadaense não aporta uma considerável quantia de água. No início de inverno, quando o tempo chuvoso é generoso, o açude comporta uma boa quantia. Houve até quem atravessasse ele de canoa novamente em anos anteriores. Mas quando seca por completo, o baque que sua imagem traz é quase inevitável.

O superdimensionamento da barragem em relação ao potencial da bacia hidrográfica faz com que as sangrias sejam raras. Em toda sua história ocorreram apenas 6. A primeira registrada foi em 1924, depois 1925, 1974, 1975, 1986 e 1989. A seca completa do Cedro é um fato tão raro que em mais de 100 anos só aconteceu sete vezes. Em contrapartida só secou totalmente nas secas de 1930, 1932, 1950, 1999 e nesta última seca de 2016.

Impactos

Uma das imagens mais chocantes foi a morte de quelônios, flagrada por um grupo de estudantes do professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), doutor em zoologia, Hugo Fernandes-Ferreira. Do dia para a noite a carcaça de centenas de cágados apareceram no solo de terra rachado do açude. Numa contagem para uma pesquisa, o grupo de pesquisadores liderado pelo professor contabilizou a impressionante morte de 439 quelônios.

“Rodamos o açude inteiro e contabilizamos o impressionante número de 439 quelônios. Nenhum vivo. Isso não se resume a uma simples tristeza do fato. Esses animais cumprem papel fundamental na cadeia alimentar, inclusive pela alimentação parcialmente detritívora, otimizando a ciclagem de nutrientes”, escreveu o professor à época.

Os detalhes mostraram uma situação ainda mais grave: todos os cágados eram de uma única espécie, mais resistente à impactos e que eram responsáveis pela manutenção do ecossistema dos açudes. “Isso quer dizer que, antes da seca, a situação do açude possivelmente já estava crítica, talvez por poluição, alta salinidade da água ou outros fatores. Se o impacto sobre os cágados foi alto, imaginem sobre os milhares de peixes e milhões de invertebrados que ali viviam. Isso pode causar um panorama ainda mais grave”, pontuou o professor em 2016.

As imagens chocantes rodaram o Brasil e despertaram a atenção de importantes veículos de imprensa, como a BBC Brasil, considerado um dos mais respeitados nomes do jornalismo no mundo. No Brasil, o site repercutiu a notícia com a seguinte manchete: “Como açude mais antigo do Brasil virou ‘cemitério de cágados”.

Uma das raras sangrias do açude Cedro

História comprometida

O Cedro volta a agonizar trazendo com ele todos estes medos e receios. Em 2016, audiências públicas promovidas pelo Governo Estadual com órgãos de proteção ambiental, chegaram a ser pautada, mas as discussões não avançaram. O poder público municipal consegue fazer pouco, porque o açude é uma propriedade federal, administrada pelo Dnocs, um órgão moroso em termos de ações práticas em prol do Cedro.

Seu valor histórico é, até hoje, sua maior marca. Ele foi a primeira grande obra hídrica construída no Brasil, a pedido de Dom Pedro Primeiro. Muito de suas pedras que lá estão fincadas, foram trazidas de outros países, ainda no período do Brasil Colonial.

Os problemas em torno do açude são complexos. Em termos de cuidados, é preciso fazer algo. Em termos de abastecimento, não há muito o que ser feito. O Cedro não tem afluentes, a água que ele abarca é a que vem da chuva. Ou seja, só tem água se chover. Sua solução, portanto, perpassa por uma mistura de fé e cobrança do poder público. OU é isso, ou o Cedro morre de agonia, mais uma vez.