Quixadá: Não se discute que será como médico que Everardo Silveira mais será lembrado. Ele foi uma figura humanista dos anos 70 e 80, década em que tínhamos poucos exemplos como ele na região do Sertão Central.
Nascido de Baturité, ‘vevé’, como era mais conhecido, se tornou uma figura carimbada no imaginário do povo mais pobre. Formado em medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC), atendia em sua clínica os mais necessitados sem lhes cobrar nada pelas consultas. A fama era tanta que a escritora quixadaense Rachel de Queiroz costumava mandar pacientes para a clínica de Everardo. Quem chegava mandado por Rachel não pagava, esse era o trato.
Mas há uma parte de sua história tão importante quanto: a de político. Foi deputado estadual quatro vezes nos mandados de 1979–82; 1983–86; 1987–90 e 1991–94. E neste percurso atuou como Relator Geral ajudando a elaborar a Constituinte do Ceará, uma espécie de Constituição Federal aos moldes cearenses.
Por conta da fama muito maior que tinha como médico, essa é uma parte de sua história que apesar de também igualmente importante, poucas vezes é lembrada.
Everardo Silveira faleceu no último dia 20 de junho, vítima de um câncer. Quixadá e todo o Sertão Central ficou em um profundo luto. A própria Alece suspendeu os trabalhos no dia da morte do médico e ex-político.
O Revista Central resgata a última entrevista que Everardo Silveira deu sobre o assunto. Foi em 2019 por ocasião das comemorações da constituinte do Ceará, por parte da Assemblea Legislativa (Alece). O texto a seguir é uma reprodução, tal e qual, das respostas de um político seguro, sensato e honesto, para os anais da Alece.
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Repórter: Deputado, quais as lembranças que o senhor tem da elaboração da Constituição Estadual?
Everardo Silveira: Naquela época em que fui escolhido relator, eu primeiro fui presidente da Comissão de Sondagens e Proposições. A gente ia ao interior, colhendo e ouvindo a opinião do povo, de várias cidades. Depois eu fui eleito relator, naquela época, fui questionado como era que um médico ia ser relator da Constituinte? Eu respondi o seguinte: o médico tem bom senso, o médico pra dizer se opera ou não opera, tem de ter bom senso, eu tenho bom senso. É tanto que quando terminou a Constituinte, eu fui aplaudido por todos os partidos, todos partidos me aplaudiram pelo bom senso que eu usei nas decisões, e, foi uma boa pra mim, não é?
Repórter: Usando esse bom senso, o senhor teve uma atuação em alguma área mais específica?
Everardo Silveira: Ah, foi de maneira geral, porque havia propostas de todos os partidos e todos deputados mandavam propostas. Nós ficamos numa sala lá só pra isso, pra estudar e resolver as questões, eu lembro muito bem. Graças a Deus, deu tudo em paz.
Repórter: Cumpriu o seu papel?
Everardo Silveira: Cumpri a missão. E a missão seguiu, que eu sei, quando eu não sei. Tinha muita pressão, mas eu não cedi. Fiz tudo com bom senso, usei sempre o bom senso. Tenho minha vida e, ainda hoje, eu uso o bom senso em tudo. Nas minhas atividades, uso o bom senso. Como deputado, entrei na hora “h”, saí na hora “h”. Deu certo, até hoje.
Repórter: O senhor acha que a Constituição Estadual está cumprindo o seu papel? Faltou alguma coisa, deputado?
Everardo Silveira: Pode ser reformulada alguma coisinha, que foge, mas tá bem, tá bem demais. Faz muito tempo, muitas coisas já mudaram, já renovou muita coisa e podia ser feita uma revisãozinha.
Repórter: Mas o senhor acha que a Constituição está sendo respeitada?
Everardo Silveira: Tá, tá sendo respeitada. Alguns pontos têm de haver alguma investigação.
Repórter: Qual o sentimento do senhor de ter sido um dos constituintes?
Everardo Silveira: Foi muito bom. Pra mim foi uma honra, uma glória, foi a coroação da minha vida como político, que eu fui prefeito, fui deputado, e a Constituinte foi um sonho realizado. Uma coisa que eu não imaginava, nem pensava ser algum dia, uma realização.
Repórter: Como relator, o senhor enfrentou alguma dificuldade?
Everardo Silveira: Não. Mas algumas coisas mais complicadas, eu chamava a equipe de advogados que ficava perto de mim. Então, a gente consultava e resolvia as coisas tranquilamente, na calma, sem problema nenhum. O próprio PT aceitava as minhas ponderações, porque eram bem estudadas e bem analisadas. Nós ouvimos todo mundo, as portas eram abertas pra ouvir as proposições e as sugestões, e, assim, fomos indo.
Repórter: Como médico, o senhor acredita que a área da saúde realmente atingiu os objetivos?
Everardo Silveira: Atingiu. Agora, só que a saúde tá precária, mas dentro do objetivo da Constituição, da Constituição em si, não tá sendo executada. A saúde é um privilégio pra alguns, porque Memorial da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Malce) Deputado Pontes Neto 160 na verdade a Constituição prevê saúde igual pra todo mundo, mas isso não existe, isso é só na teoria, porque a saúde continua precária mesmo depois da reforma.
Repórter: Mas o senhor, como médico, defendeu algo dentro da área da saúde ou não era possível porque o senhor era relator?
Everardo Silveira: Relator não decidia nada. Eu analisava e julgava, porque era meu papel e não podia contrariar as opiniões dos outros, tinha que ouvir, estudar, examinar e relatar.
Repórter: A questão do SUS foi nessa época?
Everardo Silveira: Foi não. O SUS já existia, com outro nome.
Repórter: Então, o senhor acha que realmente cumpriu sua missão?
Everardo Silveira: Na época, cumpri minha missão perfeitamente. Ao que nós nos propusemos, fizemos, porque o que foi proposto, foi feito.