Um auxiliar de produção passou mais de 300 dias presos após ser confundido com um homem que fingiu ser ele em uma ligação telefônica, em Fortaleza, segundo o advogado de defesa, Silvio Vieira. Lucas (nome fictício) foi preso em junho de 2022 e permaneceu até maio de 2023.
O Ministério Público, quem ofereceu a denúncia, disse que a fase de instrução do processo já se encerrou. “O órgão ministerial agora vai analisar as provas produzidas durante essa fase (verificando, inclusive, a situação apresentada pelo advogado) e apontar as alegações finais. Depois disso, o Poder Judiciário proferirá sua sentença sobre o caso”, complementou.
O Tribunal de Justiça confirmou, por meio de nota, que a prisão foi revogada, mas não comentou sobre o caso. “O Colegiado da Vara de Delitos e Organizações Criminosas de Fortaleza resguarda-se de comentar decisões judiciais de processos ainda em trâmite.”
O mandado de prisão surgiu após Lucas ser confundido com um homem investigado por integrar um grupo criminoso. Em 2016, a família de Lucas pediu ajuda a este segundo homem para tentar resolver um problema relacionado à morte do irmão do auxiliar, que foi assassinado durante uma rebelião em um presídio.
Na ligação, o homem fingiu ser Lucas após a atendente da Perícia Forense do Ceará (Pefoce) informar que só passaria informações para familiares da vítima. Com isto, o homem se apresentou como Lucas para obter as informações. O áudio da ligação foi usado como prova contra Lucas, ato que foi criticado pela defesa. A linha telefônica do celular usado estava sendo investigada pela polícia em apuração da atuação de grupo criminoso na região.
“Existe um erro grosseiro, que é a inexistência da verificação da legalidade e da credibilidade da prova apresentada pela delegacia”, rebateu Vieira. Segundo ele, o áudio não foi ouvido, durante a investigação, por um juiz.
O advogado de defesa argumentou que a pessoa que ligou é uma liderança comunitária do Bairro Bom Jardim, onde a família mora. “Em 2016, teve uma revolta no presídio, e uma pessoa foi assassinada queimada lá dentro. Como a família [da vítima] é muito humilde, pediram ajuda desse homem para poder agilizar a liberação do corpo”, disse Vieira.
“Na época, ele ligou e disse que era da família do morto, e que precisava saber qual era a orientação para liberar o corpo no IML. Quando a atendente falou que só podia dar informação para família, o rapaz — com boa vontade — disse o nome do irmão que ele se lembrava”, complementou o advogado.
Investigação
O Ministério Público, sobre o pedido da defesa para revogação da prisão, informou que a investigação iniciou por meio de uma atuação conjunta do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) e da Coordenadoria de Inteligência (COIN), durante a Operação Gênesis, visando à apuração de atuação de organizações criminosas no Ceará.
“Ora, a pessoa com a mesma voz que articula crimes ligou para a Pefoce e se identificou como Lucas. Deste modo, a investigação foi concluída e o Ministério Público do Ceará ofereceu denúncia em 09 de setembro de 2021”, explicou o órgão ministerial.
Contudo, Silvio Vieira argumentou que a linha telefônica não está cadastrada no nome do auxiliar de produção, e que as vozes gravadas são diferentes. “Esse telefone estava em uma escuta e começaram a linkar dizendo que o dono daquele telefone, mesmo que o CPF não correspondesse no cadastro, era de (nome do auxiliar de produção), irmão do homem assassinado dentro do presídio”, disse.
“Desenvolveu-se uma investigação para determinar que o dono daquele telefone era uma pessoa ligada a uma organização criminosa naquela comunidade. Aí prenderam o dono desse celular em 2019”, complementou. Ele disse que esse processo, do qual ele também faz parte da defesa, ainda espera julgamento, e fizeram outra acusação para prender o auxiliar de produção.
Revogação da prisão preventiva
Após o pedido da defesa, o Ministério Público se mostrou favorável à revogação da prisão preventiva. “Ocorre que, após o oferecimento da denúncia, notadamente em 22 de junho de 2022, foram realizadas análises complementares as quais revelaram que, possivelmente, o usuário do terminal telefônico em átrio omitiu a verdade e declarou falsamente se chamar (nome do auxiliar de produção), com o fito de obter a informação desejada”, diz a decisão ministerial.
“A COIN, visando a busca da verdade real, realizou, na data acima mencionada, a comparação de voz dos áudios obtidos na Operação Gênesis com a voz colhida de (nome do auxiliar de produção), que inclusive já esteve preso por tentativa de homicídio, nos autos do processo de n° 0006849-04.2011.8.06.0052, e percebeu que existe uma possibilidade muito grande de não se tratar da mesma pessoa”, complementou o documento do MPCE.
Com informações do G1