Lei que proíbe fogos com barulho representa vitória para autistas e defensores de animais

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Queima de fogos com barulho passa a ser proibido em Quixadá (foto: Lutero Rômulo)

Quixadá: Dois minutos e quinze segundos de pura aflição, angustia e tormento. Essas são apenas algumas da reações desencadeadas por quem experimenta procurar pelo termo “criança com autismo fogos de artifício” no YouTube. O vídeo mais visto dessa categoria já ultrapassa as 26 mil visualizações e mostra uma criança sendo acalentada pela mãe após entrar em pânico depois de ouvir barulho de um eletrodoméstico. 

É chocante: ela chora, grita, pula. Confusa e totalmente atormentada pelo barulho, a criança autista arranha e abraça a própria mãe com força descomunal. Após os vinte primeiros segundos, e já quase sem controle, a criança age com ainda mais força, e começa a bater a própria cabeça contra a mãe. Por pouco não cai no chão. Chora. Fica trêmula. Age em descompasso e desorientada. Morde os lábios. E finalmente para.

No vídeo, os efeitos são provocados pelo eletrônico doméstico, mas no dia a dia, qualquer barulho vira praticamente um pesadelo em que sofre do Transtorno de Espectro Autista (TEA). A preocupação com essa categoria foi o que levou, na última semana, ao prefeito de Quixadá, Ricardo Silveira, sancionar uma lei que proíbe o uso de fogos de artifício com barulho no município, em eventos públicos ou privados. Quem descumprir a medida pode levar multa e comerciantes poderão ter o alvará suspenso.

O autor da medida foi o vereador Jackson Perigoso. Além dos autistas, a lei prevê também a proteção a idosos e a animais, que também sofrem distúrbios e transtornos com a poluição sonora causada por fogos de artifício. No início de julho deste ano o parlamentar apresentou o projeto que foi aprovado na casa. “Sabe-se, de algum tempo, que os fogos de artifício com estampido causam uma série de efeitos negativos, nocivos, a pessoas com deficiência, principalmente crianças autistas, a idosos e a animais. Há, nas redes sociais, milhares, senão milhões de relatos de pessoas que lutam para uma mudança nos hábitos culturais da sociedade brasileira e mundial”, justificou o parlamentar.

Vitória

A aprovação do projeto de lei e posterior sanção por parte do prefeito, lançam um olhar de mais atenção para este delicado ponto. Jackson Perigoso argumenta que a lei em vigor “representa sem dúvida um grande avanço para o bem estar animal, dos idosos e de pessoas autistas e de toda sociedade”. Silveira, por sua vez, completa: “Meu papel enquanto gestor é de cooperar com iniciativas que possibilitem uma ação em defesa desses grupos, por isso sancionei o projeto que a partir de agora proíbe o uso de fogos de artifício com barulhos em Quixadá”, disse nas redes sociais.

Quixadá não é o único município a ter uma lei deste teor aprovada. Na última semana Boa Viagem também aprovou uma sanção semelhante. Há quase um ano, em agosto de 2020, o Revista Central destacou uma iniciativa semelhante que aconteceu em Pedra Branca. Por proposta do vereador Auricélio Lopes (Solidariedade) a Câmara de Vereadores aprovou a proibição do uso de fogos de artifício com barulho no município.

Por lá, os fabricantes só tem direito a alvará caso trabalhem com o tipo de fogos que não causem barulho. Pela lei, quem for flagrado descumprindo a medida, poderá ser multado em 38 Unidades Fiscais de Referência (UFIRs).

No ano passado, durante o período eleitoral, a promotora eleitoral Gina Vilasboas em reunião com os representantes das chapas e agremiações partidárias, decidiu proibir o uso de fogos com barulho nas principais cidades do Sertão Central.

Porque é importante? 

No fim do ano passado, paralelo ao período de natal e ano novo, vários vídeos compartilhados por grupos e associações de mães com crianças que possuem o Transtorno de Espectro Autista (TEA), mostravam cenas comoventes: em uma situação de pânico, as crianças choram e se esperneiam trêmulas com o barulho dos fogos. O problema acontece pois muitos indivíduos com TEA apresentam uma hipersensibilidade sensorial aos estímulos do ambiente. O fator é, inclusive, um dos critérios levados em conta na hora de fechar o diagnóstico. Um latido de cachorro ou uma buzina de caminhão, por exemplo, podem ser suficientes para causar pânico em crianças dentro desse espectro.

Crises de choro, momentos de medo, irritabilidade e outras reações imprevisíveis tornam necessários o uso de métodos para prevenir e amenizar os efeitos dos fogos. A hipersensibilidade sensorial pode ainda acometer outros sentidos. No caso do tato, a criança pode ter medo de texturas e evitar andar descalço na grama ou usar meias, por exemplo. Quando atinge o paladar, pode fazer com que o indivíduo coma apenas alimentos pastosos, ou só secos. No campo visual, luzes intensas também podem provocar essa sobrecarga sensorial, que acaba causando desconforto e até comportamentos agressivos nos autistas.

Os animais possuem um tipo de reação semelhante: latem desordeiramente, aperreados e ficam visivelmente assustados, o que levou já a realização de inúmeras campanhas promovidas por associações de animais afim de que esse tipo de iniciativa seja levada em conta com o intuito de garantir a proteção dos animais e os direitos que estes também possuam.