Os riscos e o dilema de comemorar festas de Natal e fim de ano durante a pandemia

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Celebrar em meio a pandemia, tem colocado famílias diante de um dilema (Foto: divulgação)

A proximidade das festas de fim de ano, que tradicionalmente envolvem longas horas de comemoração, reuniões de familiares e grupos grandes de pessoas, além de viagens, têm colocado líderes globais e autoridades de saúde em alerta para picos futuros de Covid-19 — potencialmente ainda maiores e mais mortíferos dos que estão em curso atualmente.

A OMS (Organização Mundial de Saúde) defende que evitar reuniões familiares seria a “aposta mais segura” para este Natal. Em recente entrevista coletiva, Maria Van Kerkhove, líder técnica da Covid-19 na OMS, defendeu que as famílias prefiram reuniões virtuais neste ano.

Mesmo reconhecendo a dificuldade que as pessoas terão em adotar esta conduta, Kerkhove alerta que as famílias devem tomar essa decisão avaliando a chance de estar, inadvertidamente, causando situações de alto contágio. A recomendação também é não viajar. Se for, priorize ir de carro. Não obstante as recomendações é bom ter em mente que por maior que seja o cuidado que se tome, há sempre o risco de contágio, alertou.

Espaços fechados, mal ventilados e com aglomerações regadas a álcool (que tende a nos fazer relaxar nas medidas de precaução) é uma receita perigosa para o alastramento da Covid-19, de acordo com a maioria dos especialistas.

“O momento é de amarmos a nossa própria vida e a vida de quem amamos”

O infectologista Jaques Sztajnbok, supervisor da UTI do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo, também sugere que as pessoas evitem festas de fim de ano em 2020. Segundo ele, nessas ocasiões é comum que “ao comer, todo mundo esteja sem máscara, conversando, falando alto, rindo e próximo — modos pelos quais a disseminação aumenta mais ainda. Segundo ele, é um cenário perfeito para o contágio.

É possível comemorar, mas com cuidado, afirmam estudiosos.

A doutora Christinne Maymone, secretária-adjunta da SES (Secretaria de Estado de Saúde) do Rio Grande do Sul faz a seguinte reflexão: “o momento é de amarmos a nossa própria vida e a vida de quem amamos”. Alguns países estão adotando um padrão para estas reuniões, de no máximo de 10 pessoas do mesmo núcleo familiar. Mas de acordo com Maymone, é preciso levar em conta o tamanho do local onde se pretende reunir. “Em um espaço pequeno, de 3×2 m², por exemplo, é muito difícil acomodar oito pessoas sem aglomeração”, explica, ressaltando que é preciso usar o bom senso sempre.

Pessoas decidem com base na emoção, diz sociólogo

Mas por que, e diante de tantas recomendações e evidências de contágio, o brasileiro não consegue abrir mão das festas de final de ano? Para o sociólogo e historiador, Paulo Cabral, a cultura arraigada que vem dos nossos ancestrais é um fator importante para analisar este comportamento. Segundo ele, existe uma memória emocional que não está no domínio da razão. “É algo anterior a informação”, explica.

Na avaliação de Cabral, a festa de Natal também carrega um simbolismo religioso que é muito importante para as famílias. “Tenho lembranças carinhosas de muitos Natais, mas em virtude da pandemia estes encontros precisam ser reavaliados”, sublinha.

Dilema da ansiedade e da solidão está em voga

Transgressão e dificuldade de lidar com a ansiedade

O sociólogo chama a atenção também para outro significado das festas, sobretudo nas classes mais pobres. “É um momento de subversão da realidade, onde as pessoas querem esquecer as privações”. Por isto, segundo ele, elas se sentem imunes ao perigo e preferem ignorar toda a informação sobre os riscos. “São comportamentos guiados pela emoção, não pela razão”, completa.

E o que mais se vê nesta época são pessoas ávidas pelas comemorações. A mãe que não quer abrir mão da tradição, a avó que sente saudades dos filhos e as crianças insistem em ter um Papai Noel. A ansiedade, que já está grande por conta de meses de restrições e insegurança, fica ainda maior com a pressão.

De acordo com a psicanalista Ângela Sollberger, a dificuldade para lidar com este sentimento faz com que as pessoas busquem estratégias para lidar com o mal-estar que a psicanalista chama de “ansiedade sem nome”.

“O nome que não aparece, na verdade seria a mortalidade, mas como eles não conseguem pensar sobre isto, preferem atuar”, analisa. E por atuar, entende-se: burlar as regras, entregar-se a fantasia de que nada vai acontecer. Para Ângela, é deste modo que as pessoas se defendem contra a ansiedade cada vez mais presente na sociedade.

 

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Esta reportagem foi escrita pela jornalista Beatricce Bruno, e publicada originalmente pelo governo do Mato Grosso do Sul