Das 31 vítimas assassinadas por intervenção policial no Ceará, em 2019, cuja cor da pele foi informada nas estatísticas oficiais, 27 eram negras – incluindo pretas e pardas. Isso representa 87% do total, segundo relatório da Rede de Observatórios da Segurança divulgado nesta quarta-feira (9), com base nos registros da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).
No total, 136 pessoas morreram por intervenção policial no ano passado no estado. Destas, 105 não tiveram a cor informada nos registros. O estudo classifica a omissão de dados como “inaceitável” e ressalta o Ceará como o caso “mais grave” entre os cinco estados analisados. Além dele, foram examinados Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.
“77,2% das vítimas de violência policial letal simplesmente não têm cor declarada. Ignora-se esta que é uma das informações mais importantes para se compreender o quanto a violência policial é focada em determinados perfis bem conhecidos”, afirma o relatório.
A pesquisadora da Rede de Observatórios da Segurança e do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Ana Letícia Lins, reforça que, “quando temos uma omissão tão grande, não é possível que uma gestão trace políticas públicas para evitar que essas pessoas continuem sendo vitimadas”.
Para a cientista social, também é “contraditório” que o Ceará seja exemplo de transparência de dados de segurança pública em relação a outras unidades federativas, mas que, nas estatísticas das vítimas de violência policial no Estado, não haja o número de pessoas pretas – apenas de pardos.
Ela pondera que, das 105 vítimas sem cor declarada, a maioria também pode ser negra.
“Normalmente, a violência policial é muito localizada em determinadas áreas, e as pessoas que moram nas periferias e estão sujeitas a várias vulnerabilidades são pessoas negras”, analisa.
Ana Letícia Lins defende que as discussões sobre o tema incluam a disponibilização correta de informações e a interlocução com representantes de movimentos negros junto à gestão da segurança.
“Mesmo que se mude a formação policial, é um problema mais amplo. A instituição da Polícia foi construída historicamente para tratar a população negra, principalmente jovens negros, quase como uma ideia de inimigos. Precisamos de uma construção social que seja outra”, declara.
Outros estados
O Relatório da Rede de Observatórios da Segurança traz ainda que, na Bahia, quase a totalidade (97%) das mortes decorrentes da intervenção policial foi de pessoas negras. Em Pernambuco, o índice foi de 93%. No Rio de Janeiro e em São Paulo, de 86% e 63%, respectivamente.
Conteúdo: G1