Região Metropolitana: “Fiz merda”. Foi o que ouviu a família de Mizael Fernandes da Silva do policial que atirou e matou o adolescente de 13 anos na quarta-feira, 1º, em Chorozinho, a 72km de Fortaleza. O adolescente havia chegado àquela casa no dia anterior. Morador da zona rural, ele precisava ir à cidade fazer um procedimento dermatológico, conta a tia Lizangela Rodrigues. A casa dela era refúgio tanto por ela ter experiência na área da saúde, como também porque o adolescente tinha medo de andar na área urbana e achava o local onde a tia morava o mais seguro.
Lizangela conta que o adolescente era da “agricultura braba”. Cuidava de gado, herança da avó, e dormia cedo pois era acostumado a acordar 4 da manhã para tirar leite de vaca. Mizael trabalhava em uma empresa de castanha e havia acabado de ganhar um cavalo do pai, com quem planejava ir a uma vaquejada na Paraíba após o isolamento social.
Mizael teve sua rotina e planos interrompidos durante a madrugada. Conforme relato de sua tia, os PMs chegaram na residência por volta de 1 hora. Após baterem com força no portão, tiveram a entrada concedida pelos moradores, já que “nunca deveram nada”. Os policiais, em três viaturas, mandaram, inicialmente, que eles ficassem na calçada. “A gente não acordou a criança porque ele estava dormindo e, até então, achava que eles só queriam acesso ao quintal. Achei que eles estavam fazendo abordagem em outro local e alguém tinha pulado pelo muro”.
Lizangela quis acompanhar a abordagem e, após ter o propósito negado com rispidez, obteve permissão de um dos PM. No momento em que “botou o pé na sala”, porém, se deparou com o “clarão” vindo do quarto. Era o tiro que matou Mizael. Foi ali que os familiares ouviram o “fiz merda” de um policial “grandão”. Ele ainda repetiria a fala várias vezes, continua o relato, única expressão que os familiares conseguiam entender do desespero do PM. Após a morte, os policiais ordenaram que os moradores fossem para longe da casa e desfizeram a cena, colocando o corpo do garoto na viatura, com a alegação de que queriam socorrê-lo — mas a família diz que o hospital constatou que ele já chegou morto. Junto com o corpo, foi levado edredom, um travesseiro e o celular do jovem. Também limparam o quarto. Mancha de sangue, porém, persistiu na cama, como atestam imagens feitas pela família.
Em relatório de ocorrência, os PMs afirmaram ter recebido informação de que um jovem acusado de crimes como roubo se refugiava na casa. Lizangela diz saber quem é o suspeito e reconhece a semelhança de seu sobrinho com ele. Mas questiona: “Todo loiro que tiver a mesma altura vai ser executado?”. “E por que ele estaria na minha casa se não tenho nenhum contato com ele?”. Os policiais ainda afirmaram que Mizael tinha uma arma e apresentaram um revólver à Polícia Civil. A versão é veementemente contestada. Eles nem mostraram a arma, nem tiraram fotos dele com ela, diz Lizangela. Também não houve voz de comando antes do tiro, conforme alegado, diz ela.
Após a morte, surgiram relatos nas redes sociais de que o comércio da cidade teria de fechar por ordem de uma facção. “Não foi por facção. Minha mãe trabalhou em churrascaria por 36 anos”. Além disso, espalhou-se na internet que Mizael e parentes teriam envolvimento com o crime organizado, o que já levou a família a apresentar uma queixa de crime.
A lembrança que fica de Mizael para Lizangela é de um menino amável, carinhoso e brincalhão, mas muito medroso — só não de domar cavalo. “Tudo dele era estar cheirando a gente”.
Com informações do O povo Oline / Repórter: Lucas Barbosa