Caio José, 27, homem trans e enfermeiro em Quixeramobim, filho da Dona Clotilde, 65, e do Senhor Edivane, 70, o profissional está na linha de frente do covid-19 no interior. Ele conta que sua vida estava bem tranquila antes da pandemia, trabalhando normalmente como professor e dando seus plantões no SAMU.
Com a crise provocada pela Covid-19 tudo mudou, principalmente para ele que é da área da saúde: “Eu consigo perceber que no começo existia muita dúvida e medo, porque a gente sabia que era um vírus muito contagioso, ele passa muito fácil, além de ser letal para algumas pessoas. Você sendo da área da saúde, não pode recuar. Você fez um juramento e tem que seguir em frente”, pontua o profissional.
Sobre sua atuação, ele conta: “A nossa preocupação é dobrada porque, além de me preocupar com a minha saúde, eu me preocupo com a da minha família também. Eu pensava: Poxa, se eu pegar um paciente com Covid eu posso passar para os meus pais que já são idosos, para minha esposa. O nosso maior medo é de contaminar quem a gente ama. Acabamos nos distanciando da nossa família por medo”, constata.
Caio explica como a rotina com a família se alterou. Ele fala da atenção especial que passou a ter com os pais: “Eu não posso deixar de ter contato com os meus pais porque eles já são idosos, mas sempre são contatos rápidos. Eu tomo todos os cuidados necessários. O que mais mudou foi a relação afetiva, quando chego lá, minha mãe fala: ‘Eu queria tanto te dar um abraço’. Dói, mas eu não posso fazer isso”, fala emocionado.
O enfermeiro formou-se em 2014, com 21 anos, e conta que desde o início de sua atuação passou por alguns desafios, como os surtos de sarampo, dengue e H1N1, mas hoje, com o novo coronavírus, encara o maior desafio da profissão: “Como estou no SAMU, eu dou plantão 24 horas e, nesse último, peguei três pacientes com Covid. Eu só dormi 2 horas, foi muito difícil porque, às vezes, precisamos percorrer muitas distâncias e o corpo não aguenta, além de ter que ficar paramentado o tempo inteiro sem comer, beber água e ir ao banheiro. A resistência do profissional da saúde agora na pandemia está sendo posta em prova”, relata.
“E se eu adoecer, vou sofrer transfobia?”
Infelizmente, o medo de sofrer transfobia ainda existe e se agrava, quando se pensa também numa eventual complicação de saúde. Caio explica como se sente vulnerável como homem trans: “Sinto-me muito temeroso, tenho muito medo de pegar essa doença e acabar precisando de uma UTI, eu sei como é que fica essa pessoa, eu já vi várias vezes pessoas entubadas, me dá um medo de imaginar ficar vulnerável dessa forma. Sempre repito para minha esposa: ‘Pelo amor de Deus, se eu ficar dessa forma, fica lá comigo, me ajuda, não me deixa só’”, fala.
O receio surge, segundo Caio, quando se percebe que mesmo dentro do setor da saúde existe falta de empatia. “Se você é diferente e não pode se resguardar e nem se defender, algumas pessoas que estão ali dentro vão te discriminar, vão fazer chacota e isso me revolta. É o meu maior medo de estar nessa situação de vulnerabilidade”, desabafa.
Fortalecimento das relações afetivas
E não foi só com os pais que Caio percebeu o fortalecimento do afeto. O enfermeiro mantém um relacionamento há dois anos. Sua esposa também é profissional da saúde.
Ele destaca como conseguem fortalecer um ao outro: “Essa pandemia fez com que a gente se aproximasse mais, não só como duas pessoas casadas, mas como dois profissionais da saúde. A gente debate muito isso, vê técnicas. Isso tem fortalecido muito nossa relação”, destaca.
Apostas para o pós-pandemia
Perguntado sobre como imaginava o mundo pós-pandemia, ele disse: “Eu imagino um mundo pós-pandemia com as diferenças sociais mais evidenciadas. Em uma entrevista, Leandro Karnal disse que as pessoas costumam falar que a gente está no mesmo barco. Nessa pandemia foi o que a gente mais escutou. Só que nós não estamos no mesmo barco e sim no mesmo oceano, alguns nos seus iates e alguns boiando na água. Eu acredito que as relações sociais vão ser mais sensíveis, as pessoas vão estar mais empáticas a algumas causas. O mundo vai estar mais suscetível à consciência de classe. Existe a necessidade de entender que nós não estamos no mesmo barco”, finaliza.
Matéria escrita por Talita Machado para o site Mídia Bixa.