Lobisomens, fantasmas, cyberpunk, cangaço, visagens, malassombros. Dentro da programação da XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará, no Centro de Eventos, o espaço Café Literário abriu para a discussão de um gênero bem peculiar: a literatura nordestina de terror. Com a mediação feita por Bruno Paulino, escritor e professor cearense, os escritores Zé Wellington (CE) e Márcio Benjamin (RN) foram os convidados de um bate-papo para discorreram sobre suas respectivas trajetórias no gênero em questão, a partir do tema “Imagens e Visagens do Sertão”.
Autor de livros como Maldito Sertão (2016), Fome (2017) e, mais recentemente, Agouro (2019), o potiguar Márcio Benjamin – que também é advogado – enfatizou a importância de uma literatura atenta com as questões da atualidade, mas “com um pezinho lá no sertão”. Para ele, “a cultura precisa evoluir, precisa se moldar, tornar-se mais interessante, principalmente pra que o pessoal mais jovem se sinta representado e para que a gente consiga mantê-la viva. Existem duas grandes lendas urbanas: a primeira é que jovem não gosta de ler e a segunda, que livro é caro. Os jovens gostam de ler, sim, e nem todos os livros são caros”, destacou.
“O livro é uma tentativa de trazer esse jovem pra dentro da cultura nordestina e, de certa forma, empoderá-lo e dizer pra ele que, sim, a cultura nordestina é maravilhosa e a gente, sem a nossa cultura, não somos nada”, completou Márcio. No caso de Zé Wellington, que escreve há cerca de 15 anos, o início na literatura deu-se por meio do fanzine. “O engraçado é que, nesse tempo, foram poucos os momentos em que eu pensei em contar uma história que se passasse aqui. Vinha muito carregado daquela coisa de consumir só o que vem de fora, o que é bom é o que vem dos Estados Unidos, e eu via muito nessa ideia. Mas, há uns dez anos, os quadrinhos me ‘sequestraram’, comecei a fazer e não parei mais”, afirmou o cearense.
Zé Wellington, além de títulos como Quem Matou João Ninguém? e Steampunk Ladies: Vingança a Vapor, é também o autor de Cangaço Overdrive, história em quadrinhos ambientada no Ceará, porém num futuro possível, tendo como ponto alto da narrativa a peleja entre um lendário cangaceiro e um impiedoso coronel. “Veio-me a ideia de modernizar alguns conceitos em relação ao cangaço e fazer com que essa história fosse no futuro, usando elementos de cyberpunk, e foi muito maluco porque, num primeiro momento, parecia uma ideia meio boba mas, quando eu comecei o processo de imersão, comecei a ver o que era o cangaço no século XIX, ver o que era cyberpunk e fiz um paralelo disso”, resumiu.
Para sua pesquisa, Márcio Benjamin afirmou mergulhar numa subjetividade a partir do que o público traz. “Como a tentativa do livro foi refletir uma oralidade, então a minha pesquisa acaba sendo muito pessoal. O que as pessoas me contam, a forma como as pessoas falam… Tanto que o Fome tem umas notas de rodapé. Ele (o livro) é uma tentativa de trazer para o papel essa oralidade. Eu quero que essas histórias permaneçam do jeito que são ditas. Tenho até um projeto de transformá-la num áudio book. E tem que ser com alguém daqui (do Nordeste). Não pode ser alguém de fora, não, senão vai ficar com aquele sotaque de novela da Globo (risos)”, frisou.
“Às vezes, uma frase vira uma história. Tem um conto aí chamado A Casa do Muro Branco, que foi a partir de uma história que me contaram: uma menina tomava conta de um menininho pequeno, só os dois na casa. Um belo dia, a criança olha pra ela e diz: Eliane, quem é esse véi que tá aí atrás de você?’ Reza a lenda que ela tá correndo até hoje – é o que eu faria! – porque eu sou cagão. Eu escrevo terror, mas eu sou medroso”, reconhece Márcio. Zé Wellington, que é sobralense, citou duas figuras que, para ele, foram fundamentais em seu processo de reconexão com o gênero: o pernambucano Chico Science e o poeta cearense Patativa do Assaré.
“Quando eu comecei a escutar (Chico Science), eu não peguei a coisa da palavra e das gírias, mas tinha outra coisa que foi interessante pra mim: ele era totalmente cyberpunk e também repensava essa coisa do Recife sendo destruído pela tecnologia, mas, de alguma forma, via como aquela tecnologia podia fazer parte; ele trazia o novo ao mesmo tempo em que respeitava o passado. E com Patativa, eu nunca tinha parado pra ler o trabalho dele e entender as suas ideias. E num dos primeiros vídeos que eu vi, era um do Rosemberg Cariry chamado Reforma Agrária é Assim, subversivo até o talo como só Patativa podia ser. Foi quando eu me dei conta que o cordel era um caminho e que a narração da história tinha que ser rimada em cordel”, explicou.
“É possível, sim, trabalhar o Nordeste e, acima de tudo, a gente como artista tem que trabalhar algo que lhe reflita. Não adianta você trabalhar com uma coisa que não lhe diz nada. O meu livro, as minhas histórias, refletem o que eu quero dizer”, finalizou o escritor potiguar.
Conteúdo: Teresa Monteiro, Opovo