Reportagem especial: entidades e especialistas analisam aumento de suicídio durante a pandemia

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Tristeza, depressão e ansiedade podem ter aumentado no período de pandemia, defendem os especialistas. (Foto: UOL Imagem)

Quando a COVID-19 começou a se espalhar pelo Brasil em março de 2020 e exigiu a adoção de medidas mais restritivas, especialistas em saúde mental passaram a usar o termo “quarta onda” para se referir à avalanche de novos casos de depressão, ansiedade e outros transtornos psiquiátricos que viriam pela frente. Somente essa semana, em Quixadá, dois casos de suicídios foram divulgados, despertando atenção e curiosidade da população.

Apesar de apresentar estabilidade agora, em setembro do ano passado esses dados ainda levantam dúvidas, fazendo com que importantes organizações de saúde passassem a emitir alertas. Uma delas foi a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). A entidade afirmou ano passado que a pandemia da COVID-19 pode aumentar os fatores de risco para suicídio, incitando as pessoas a falarem abertamente e de forma responsável sobre o assunto. A ideia é que, mesmo com o distanciamento físico, as pessoas permaneçam conectadas com familiares e amigos e aprendam a identificar os sinais de alerta.

Para a OPAS o coronavírus está afetando a saúde mental de muitas pessoas. Estudos recentes mostram um aumento da angústia, ansiedade e depressão, especialmente entre os profissionais de saúde. Somadas às questões de violência, transtornos por consumo de álcool, abuso de substâncias e sentimento de perda, tornam-se fatores importantes que podem aumentar o risco de uma pessoa decidir tirar a própria vida.

Números de suicídio cresceram no período da pandemia, afirma OPAS (Foto: divulgação)

Em um recente artigo, a rede americana BBC em sua filial no Brasil apresentou equívocos na tese que liga lockdown a aumento de doenças mentais. Ela seria defendida pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que usa essa e outras justificativas econômicas para resistir à necessidade de firmar decretos que fechem o comércio e reduzam a circulação de pessoas pelas ruas.

“Em maio e junho de 2020, começaram a ser publicados os primeiros trabalhos que mediam a saúde psicológica e a qualidade de vida das pessoas na pandemia. Os dados não eram nada animadores: alguns estudos indicavam que quase metade dos entrevistados apresentavam sintomas de depressão e ansiedade, enquanto outros detectaram um aumento preocupante no consumo de bebidas alcoólicas e nas dificuldades para dormir. Mas todas essas pesquisas traziam uma grande limitação: elas se baseavam em entrevistas e enquetes feitas pela internet ou por telefone”, disse a BBC.

Dados assustam

Mas os números apresentam uma realidade, de fato, angustiantes. Desde 2003, a cada dia 10 de setembro, a Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio (IASP), em colaboração com a Organização Mundial da Saúde (OMS), promove o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. Neste ano, o tema é “Trabalhando juntos para prevenir o suicídio”.

Nas Américas, estima-se que cerca de 100 mil pessoas cometam suicídio todo ano, de acordo com o último dado disponível, de 2016. A maioria dos suicídios na região ocorre em pessoas entre 25 e 44 anos (36%) e entre 45 e 59 anos (26%). As maiores taxas de suicídio das Américas estão na Guiana e Suriname.

Assim como no resto do mundo, os casos de suicídio nas Américas são mais comuns entre os homens, correspondendo a cerca de 78% de todos os registros. Nos países com maior renda, o número de homens que cometem suicídio é três vezes maior que entre as mulheres. Já nos países de baixa e média renda, a taxa é de 1,5 homem morto por essa causa para cada mulher.

Casos de suicídio dispararam no Japão, principalmente entre as mulheres (Foto: BBC Brasil)

Japão vira estudo de caso

Um dos casos que mais chamam a atenção das autoridades é o do Japão. O país registra suicídios com mais rapidez e precisão do que qualquer outro país do mundo. Ao contrário da maioria dos países, os números são coletados no final de cada mês. Durante a pandemia de Covid-19, eles contam uma história perturbadora.

Em 2020, as taxas de suicídio no Japão aumentaram pela primeira vez em 11 anos. O mais surpreendente é que, enquanto os suicídios masculinos caíram ligeiramente, as taxas entre as mulheres subiram quase 15%. Só em outubro, a taxa de suicídio feminino do país aumentou mais de 70%, em comparação com o mesmo mês do ano anterior.

Em períodos anteriores de crise no Japão, como a crise bancária de 2008 ou o crash do mercado de ações e a bolha imobiliária no início da década de 1990, o impacto foi sentido principalmente por homens de meia-idade.

Naquelas ocasiões, grandes picos foram observados nas taxas de suicídio masculino. Mas a pandemia de Covid-19 é diferente: está afetando os jovens e, em particular, as mulheres. As razões são complexas. O Japão costumava ter a maior taxa de suicídio do mundo desenvolvido. Na última década, teve grande sucesso em reduzi-las – elas caíram cerca de um terço.

Sinais de alerta de suicídio

A maioria dos suicídios é precedida por sinais de alerta verbais ou comportamentais, como falar sobre: querer morrer, sentir grande culpa ou vergonha ou sentir-se um fardo para os outros. Outros sinais importantes são sensação de vazio, desesperança, aprisionamento ou falta de razão para viver; sentir-se extremamente triste, ansioso, agitado ou cheio de raiva; ou com dor insuportável, seja emocional ou física.

Além disso, mudanças comportamentais, como fazer um plano ou pesquisar maneiras de morrer; afastar-se dos amigos, dizer adeus, distribuir itens importantes ou fazer testamentos; fazer coisas muito arriscadas, como dirigir em velocidade extrema; mudanças extremas de humor; comer ou dormir muito ou pouco; usar drogas ou álcool com mais frequência. Todos estes podem ser sinais para um possível suicídio.

Como prevenir o suicídio

O suicídio pode ser evitado e há intervenções eficazes disponíveis. A nível pessoal, a detecção precoce e o tratamento da depressão e dos transtornos por uso de álcool são essenciais para a prevenção do suicídio, bem como o contato com pessoas que já tentaram o suicídio. O apoio psicossocial nas comunidades é muito importante para o aconselhamento nesses momentos. Em caso de detecção de sinais de suicídio em si mesmo ou em alguém, a recomendação é procurar ajuda de um profissional de saúde o mais rápido possível.

Remover as barreiras de acesso aos cuidados de saúde mental, limitar o acesso aos meios para cometer suicídio, fornecer informações verdadeiras e adequadas sobre o assunto na mídia, bem como reduzir o estigma associado à procura de ajuda psicológica também podem ajudar a reduzir o suicídio.

Com informações da OPAS, BBC Brasil, e UOL