Congregação Franciscana de Canindé recebe Medalha da Abolição 2024

compartilhar no:
A Congregação está presente em Canindé desde 1923 e será agraciada com a Medalha da Abolição no próximo dia 3 de maio. Foto: divulgação

“Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa Paz./ Onde houver ódio, que eu leve o amor./ Onde houver ofensa, que eu leve o perdão./ Onde houver discórdia, que eu leve a união./ Onde houver dúvida, que eu leve a fé”. Esse é apenas um trecho da oração de São Francisco, mas é direcionada por essas palavras que a Congregação Franciscana de Canindé tem servido ao povo cearense nos últimos 100 anos. Pelos serviços prestados, vidas tocadas e presença marcante no estado, a fraternidade é uma das condecoradas com a maior honraria do Estado, a Medalha da Abolição 2024.

Para o provincial da Província Franciscana de Santo Antônio do Brasil, que abrange sete estados do Nordeste, dentre eles, o Ceará, Frei Rogério Lopes, o momento é um “reconhecimento” de uma missão que já tem mais de um século. “Para nós, essa homenagem é motivo de orgulho, de alegria e, acima de tudo, é um reconhecimento por esse trabalho de frades abnegados. Muitos vieram até de fora do país para se dedicar a esse trabalho de acolher”.

No ano em que a Ordem Franciscana celebra 800 anos das chagas de São Francisco, o provincial ressaltou que a missão da congregação é “servir aos irmãos, e ser sempre um sinal de paz, reconciliação e acolhida”. “Não é à toa que nossa saudação é ‘Paz e Bem’, porque ela encontra acolhida em todas as religiões. Porque Francisco era um homem do diálogo permanente, interreligioso, tanto que o nosso carisma dialoga com outras religiões. Essa é a marca permanente do franciscanismo, a acolhida. Acolher a todos que vêm ao nosso encontro. Aqueles que batem à nossa porta”, complementou.

Onde houver desespero, que eu leve a esperança
Foi em um domingo de Páscoa, precisamente em 26 de março de 1923, que os frades menores da Província Franciscana de Santo Antônio do Brasil chegaram em Canindé para assumir os serviços do Santuário de São Francisco das Chagas. Naquela época, com apenas dois mil habitantes no município, onde nenhuma rua tinha calçamento, a terra era seca e as casas eram de taipa, o povo já encontrava na fé a esperança de um dia melhor.

“Nós viemos para continuar a missão já iniciada pelos frades capuchinhos [que implantaram na cidade a primeira comunidade religiosa em setembro de 1828]. Os frades [da Província Franciscana de Santo Antônio do Brasil] chegaram com a missão de organizar o Santuário e de acolher os romeiros de São Francisco oriundos de todo o Nordeste. Com o tempo, esse Complexo foi crescendo, e então os frades não ficaram apenas no Santuário, criaram toda uma estrutura para acolher os romeiros e as pessoas da cidade”, contou Frei Rogério.

Foi na identificação com essas figuras, que andavam no sertão cearense trajando túnicas da cor marrom, abdicando de luxo, e oferecendo ajuda ao próximo, que nasce a forte religiosidade da região. A cidade de Canindé, até então apenas um aldeamento, passa a crescer em volta do movimento franciscano, que traz consigo a criação de uma estrutura para o acolhimento dos romeiros, mas também benefícios para a comunidade local, como a implantação de escolas.

“[Para além da missão unicamente religiosa] os frades chegam com o pensamento de dar acesso à educação aos jovens, tendo em vista, que naquele tempo, há 80 anos atrás, tudo era mais difícil. Então, a missão primordial dos frades em Canindé era cuidar do santuário e acolher bem os romeiros, mas não só os romeiros, mas todos os canindeenses”, continuou o provincial.

Após um século dessa chegada, e ainda mais tempo se for contabilizado junto as andanças dos frades capuchinhos, que faziam expedições à região desde, pelo menos, 1758, Canindé é o segundo maior ponto de encontro de fiéis de São Francisco das Chagas no mundo, ficando atrás apenas de Assis, na Itália.

Onde houver trevas, que eu leve a luz
Com uma população de mais de 74 mil pessoas, segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022, sendo a 19ª cidade no ranking de número populacional do estado, Canindé abraçou completamente a religiosidade franciscana. Hoje, há na sua entrada a réplica de São Francisco, de mãos estendidas, com as chagas à mostra, abençoando todos que passam.

O Santuário e a Paróquia de São Francisco das Chagas de Canindé possuem um grande complexo composto pela Basílica; a Casa dos Milagres; Complexo Confessional São Damião; Capela do Painel; Sede da Campanha dos Benfeitores; Secretaria do Santuário; Gruta Nossa Senhora de Lourdes e Casa das Velas; Instalações Sanitárias; Complexo da Praça dos Romeiros; a Praça dos Romeiros; Museu Regional São Francisco; Zoológico São Francisco; e o Convento Santo Antônio.

A missão de tomar conta dessa dinâmica entre Complexo e fiéis, que vão a cidade renovar sua fé e agradecer pelas graças alcançadas, fica por conta dos frades do Convento Santo Antônio, atualmente sete. No entanto, apesar dessa dinâmica ser subdivida entre eles, o Guardião do Convento, Frei César, pontuou que esse cuidado vai muito além deles.

“O movimento franciscano em Canindé se dá, não apenas com os frades, mas com a família franciscana. Os frades, as clarissas, as ISMICs [Irmãs Franciscanas da Imaculada Conceição], a JUFRA [Juventude Franciscana], a OFS [Ordem Franciscana Secular]. Então, toda a família franciscana desenvolve essa missão. E o trabalho do evangelho, que aqui levamos, é a luz que ilumina a vida de tantas pessoas, que ilumina a fé das pessoas. E Canindé, a cidade da fé, estando dentro do Ceará, a terra da luz, então não poderia ser outro local a não ser essa cidade”, pontuou Frei César.

Entre os meses de agosto e janeiro, a população de Canindé tem muito mais do que seus 74 mil habitantes. Com a cidade atingindo a sua lotação máxima, apenas em sua motorromaria mais conhecida são mais de 30 mil devotos adentrando a cidade. Esse número se multiplica com romeiros de todos os lugares, que se deslocam das mais diversas maneiras: a pé, de bicicleta, de ônibus, em família ou sozinhos. Vivendo diariamente em contato com o canindeense, e com devotos de fora da cidade, o Guardião sente intensificada, cada vez mais, por meio dessa missão, da qual faz parte, a presença viva de São Francisco na cidade.

“Nós somos o segundo maior Santuário Franciscano do mundo, perdendo apenas para Assis, que é a cidade natal de São Francisco. Aqui em Canindé, São Francisco permanece vivo, na história, na vida, na luta das pessoas. Essa cidade, ela faz com que, a partir da missão dos frades, a gente possa levar o nosso carisma de viver o evangelho, e encontrar, na fé de tantas pessoas, que vêm encontrar abrigo nessa cidade, um grande exemplo”, comentou o guardião.

Pois é dando, que se recebe
Com o seu trabalho religioso e de apoio ao romeiro já reconhecido, a Congregação Franciscana de Canindé também chega ao povo canindeense de uma forma maior do que pelo sino que toca de hora em hora – e todo morador guia seus relógios por ele -, a fraternidade chega de forma social e prestando apoio assistencialista. A paróquia, que tem a missão de trabalhar junto ao povo do município, tem uma “dimensão social” formada por grupos como: a pastoral social; pastoral da saúde; pastoral da criança; pastoral carcerária; pastoral do idoso; pastoral da educação; pastoral da juventude; pastoral da mulher; Vicentinos; Casa do Povo – onde de oferece cursos profissionalizantes – e outros.

Ser um espaço de acolhida, sobretudo para o povo local, é uma das missões mais nobres dos franciscanos presentes em Canindé. Para o provincial Rogério Lopes, “cada frente franciscana deve ser um espaço aberto para acolhida, principalmente aos nossos irmãos menos favorecidos. Não é cuidar só dos romeiros que estão passando, mas também das pessoas que vêm constantemente ao nosso santuário. O tempo de romaria é, geralmente, um período mais específico, mas a missão pastoral não para”.

Responsável por essa parte da missão franciscana em Canindé, o pároco Frei Davi, enfatizou que não seria justo que “as pessoas viessem de fora, de tão longe, para beberem dessa espiritualidade e nosso povo ficasse com sede dela“. A sede, a que se refere o Frei, é o amparar de várias formas seus fiéis, e até mesmo aqueles, que mesmo não fazendo parte da religião, buscam ajuda. Atualmente, são 42 comunidades ligadas à paróquia, que estão espalhadas tanto pela sede do município de Canindé quanto por áreas afastadas da cidade.

Para dar suporte aos mais empobrecidos, a paróquia, na qual o Frei Davi está à frente, desenvolve um trabalho de distribuição de cestas básicas, ajuda quando o necessitado está passando por forte dificuldade financeira – pagando taxas como água e luz -, também auxilia a adquirir remédios – mediante receita médica -, e promove um trabalho de conscientização de direitos, que para o pároco, é o mais importante auxílio. “É importante a igreja ter esse cuidado, assim como nós cuidamos daqueles que vêm de longe, é importante ter esse olhar de mãe para com aqueles mais perto. Aqueles que estão mais próximos, aqueles das periferias, ter esse olhar para aqueles que não têm nem voz e nem vez”, ressaltou o pároco.

Se sentindo honrado e agradecido pelo reconhecimento do trabalho prestado, por meio da Medalha da Abolição, Frei Davi fez questão de compartilhar a honraria com todo o povo de Canindé. “Esse é um sentimento de grande alegria, mas nós temos a plena consciência de que essa medalha não pertence a nós, frades. Ela pertence a São Francisco, porque as pessoas que vêm a Canindé são motivadas por ele, por seu testemunho de vida. Depois, essa medalha pertence ao povo canindeense, porque é um povo que acolhe e nós só estamos juntos a esse povo de acolhida”, finalizou.

Maior honraria do Estado, a comenda, instituída em 1963, é concedida pelo Governo do Estadual em reconhecimento ao trabalho relevante de brasileiros para o Ceará e o Brasil.