José Maria da Silva Guerra e Dimas da Silva Guerra não se veem pessoalmente há pelo menos 50 anos. Separados para irem em busca de uma vida melhor, após uma seca severa atingir o Ceará em 1970, eles se reencontraram pela internet após esforços da filha de José. Dimas migrou para o Pará em busca de condições melhores e, hoje, os dois buscam formas de darem um novo abraço.
“Meu pai vivia chorando. Tinha ido algumas vezes atrás dos irmãos, mas não encontrava. Eu ouvia muito a história e prometi para o meu pai que os buscaria. Eu colocava foto do meu pai nas redes sociais, contava a história da família. Depois que fiquei maior, comecei minha pesquisa”, contou Brena Kelly, filha de José, ao g1.
Foi através da internet que Brena conseguiu localizar dois irmãos do seu pai. Além de Dimas, outro familiar havia perdido contato após viajar para Manaus, mas faleceu antes que pudesse reencontrar os parentes.
Há duas semanas, os dois entraram em uma chamada de vídeo e foi bingo: além das semelhanças físicas, as histórias dos dois se cruzaram.
“Cumpri essa promessa. Tinha determinação de entregar isso, de conseguir reunir os irmãos do meu pai. Uma das coisas que mais quero é trazer meu tio para Fortaleza e abraçar. São muitos anos. Tinha feito uma vaquinha para ajudar. É a história da minha família: cearenses que saem para buscar melhoria de vida para a família e acabam tendo esse trágico desencontro”, comentou a jovem.
Separações e reencontros em situações de seca
O historiador Frederico de Castro Neves explica que as separações e reencontros propiciados pela seca eram recorrentes. As ‘histórias dramáticas’, como apontou o especialista, também foram agravadas pela Ditadura Militar:
Em 1970, com a Ditadura, muitas informações sobre a situação dos agricultores pobres foram censuradas e uma parte dos socorros aos retirantes foi controlada pelo Exército. Mas o cenário geral de migrações, miséria, saques e invasões se repetiu’, explicou Frederico ao g1.
Ainda conforme o historiador, a situação aconteceu antes, em 1968, e se repetiria em 1978 a 1983.
A seca de 1970 era severa e chegou a ser chamada de “Seca Grande”. Tudo isso está guardado na memória de José Maria:
“Na época, as coisas eram muito difíceis, a vida era difícil. Morávamos no município de Beberibe. Lá, passamos tempo de seca, não tinha emprego. Meus irmãos trabalhavam em sítios. Eu era pequenininho. O mais velho foi embora logo e não tive notícias. O Dimas, que foi o que encontramos, era quem pegava água, bem distante”, relembrou.
A família inteira foi afetada pela seca. José tinha cerca de 15 irmãos, mas parte deles morreram.
“A gente passou muita necessidade. Os açudes secaram. Muitas vezes meu pai tinha que ir trabalhar derrubando árvores, tínhamos que ir para a lagoa pescar, pegar um peixinho. Com isso a gente ia vivendo”.
A partida de Dimas deixou marcas em José, que era bastante apegado. Apesar de entender a decisão de ir embora, os irmãos nunca se esqueceram:
“Quando uma pessoa da família se separa, é um pedaço da gente que vai”.
Hoje, José vive como autônomo, em Fortaleza. Brena cursa Cinema e Audiovisual e está organizando uma campanha para levar o tio até a capital cearense.
“Sou aquela pessoa que nunca perco a fé, nunca perco a esperança. A vida é esperança. Da maneira que for: eles virem aqui ou eu ir lá, para mim é uma dádiva, não tenho muito o que pedir”, concluiu José, emocionado.
Conteúdo: Portal G1