Uma situação natural, uma questão privada e um crime de menor potencial ofensivo. Era assim que a violência doméstica, mesmo nos casos de agressão física ou homicídio, era vista. Não faz muito tempo que essa história começou a mudar, dizem especialistas. Mas não há dúvidas sobre o significado dessa conquista. A Lei Maria da Penha completa hoje (7) 15 anos.
A lei, considerada uma das três melhores no mundo pelas Nações Unidas, prevê mecanismos inovadores, como medidas protetivas, ações de prevenção, suporte às mulheres e grupos reflexivos para homens. A Lei definiu cinco formas de violência: física, sexual, moral, psicológica e patrimonial. Em 2015, nova conquista com a tipificação do crime de feminicídio e, neste mês, a criação do tipo penal violência psicológica.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostra que o assassinato de mulheres registrados como feminicídio passou de 929, em 2016, para 1.350, em 2020. Além disso, quase 15% dos homicídios de mulheres no ano passado praticados por parceiros ou ex-parceiros das vítimas não foram registrados como feminicídio.
No Ceará 27.138 autos de prisão e apreensão em flagrante foram registrados em ocorrências baseadas na Lei Maria da Penha entre janeiro de 2012 e junho de 2021. Além disso, no mesmo período, 154.314 atendimentos foram realizados nas dez Delegacias de Defesa da Mulher (DDM) ou nas delegacias municipais, metropolitanas e regionais, unidades da Polícia Civil do Estado do Ceará (PC-CE), conforme levantamento do jornal O Povo. 48.843 processos foram julgados no Ceará entre 2017 e 2021 referentes a violência doméstica (48.586) e feminicídio (257). O dado caiu 20,8% entre 2019 e 2020;
O jornal cearense produziu uma linha do tempo que mostra os avanços da Lei Maria da Penha, desde o caso envolvendo a mulher que dá o nome à Lei, até os tempos atuais.
1983 – Crime contra Maria da Penha
Maria da Penha foi vítima de dupla tentativa de feminicídio por parte de Marco Antonio Heredia Viveros, pai de suas duas filhas, e ficou paraplégica após receber um tiro na coluna enquanto dormia. À Polícia, o agressor disse que tudo não havia passado de uma tentativa de assalto, versão que foi posteriormente desmentida pela perícia.
1991 – 1996 – Busca por justiça
Oito anos após o crime, ocorreu o primeiro julgamento de Marco Antonio. Sentenciado a 15 anos de prisão, ele saiu do fórum em liberdade devido a recursos solicitados pela defesa. O segundo julgamento só foi realizado em 1996, quando foi condenado a 10 anos e 6 meses de prisão. Contudo, sob a alegação de irregularidades processuais por parte dos advogados de defesa, mais uma vez a sentença não foi cumprida.
1998 – Repercussão
Caso que ganhou uma dimensão internacional, denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA). Ainda assim, o Estado brasileiro permaneceu omisso e não se pronunciou em nenhum momento durante o processo.
2001 – Responsabilização
Após receber quatro ofícios da CIDH/OEA (1998 a 2001) silenciando diante das denúncias, o Estado foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras.
2002 – Consórcio de ONGs
Diante da falta de medidas legais e ações efetivas, como acesso à justiça, proteção e garantia de direitos humanos a essas vítimas, em 2002 foi formado um Consórcio de ONGs Feministas para a elaboração de uma lei de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Confira a lista completa das organizações no portal do Instituto Maria da Penha.
2004 – Primeiro projeto da lei
Após muitos debates com o Legislativo, o Executivo e a sociedade, o Projeto de Lei n. 4.559/2004 da Câmara dos Deputados, que criava mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, chegou ao Senado Federal (Projeto de Lei de Câmara n. 37/2006) e foi aprovado por unanimidade em ambas as Casas. Antes, a violência doméstica e familiar contra a mulher era tratada como crime de menor potencial ofensivo e enquadrada na Lei n. 9.099/1995. Na prática, isso significava que a violência de gênero era banalizada e as penas geralmente se reduziam ao pagamento de cestas básicas ou trabalhos comunitários. Ou seja, não havia dispositivo legal para punir, com mais rigor, o homem autor de violência.
7 de agosto de 2006 – Sanção
Lei n. 11.340/2006, que ficou conhecida como Lei Maria da Penha, foi sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Lei aqui a legislação na íntegra.
2 de setembro de 2006 – Lei Maria da Penha entra em vigor
Lei Maria da Penha entrou em vigor no Brasil. O primeiro caso de prisão com base nas novas normas — a de um homem que tentou estrangular a esposa — ocorreu no Rio de Janeiro.
7 de agosto de 2007 – Denúncias aumentam 43% um ano após Lei
Na comparação entre os sete primeiros meses de 2006 com os de 2007, houve um aumento de 43% na quantidade de denúncias na Delegacia da Mulher, em Fortaleza. Dado noticiado por O POVO à época dá conta de 4.711 ocorrências denunciadas em 2006 contra 6.765, no ano seguinte. Número de homicídios contra mulheres em 2007 também caiu no Ceará. Foram 61 assassinatos em 2007, contra 81, em 2006. “Especialistas atribuem a criação da Lei Maria da Penha como fator principal da redução”, registra edição do O POVO de 8 de agosto de 2007.
19 de dezembro de 2007 – Juizado da Mulher em Fortaleza
Fortaleza ganhou Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher da Capital do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). A instância, primeira do Brasil a atuar de forma virtual, era um instrumento específico de julgamento dos casos de agressão contra a mulher. Atualmente, existem juizados da Mulher em Fortaleza e Juazeiro do Norte.
8 de julho de 2008 – Maria da Penha
Vinte e cinco anos após o crime, Maria da Penha recebeu indenização de R$ 60 mil a título de indenização por danos morais, materiais e emocionais, por parte do Estado do Ceará. A indenização foi recomendada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos ainda em 2001.
8 de agosto de 2008 – Denúncias de agressões a mulher cresce 107,9%
O número de denúncias de agressões a mulheres no país mais do que dobrou no primeiro semestre daquele ano em relação ao mesmo período de 2007. Números apresentados pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres com base no número de serviço 180 — a central de atendimento à mulher — apontam que de janeiro a junho de 2008 foram feitos 121.891 contra 58.417 em igual período de 2007, num incremento de 107,9%.
9 de fevereiro de 2012 – STF fortalece Lei Maria da Penha
O Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que nos casos de agressão física leves previstos na Lei Maria da Penha, o processo judicial deve ser iniciado independentemente da vontade da mulher. Ou seja, ainda que a mulher não denuncie o agressor formalmente ou que retire a queixa, o Estado deve atuar, no que se chama de ação pública incondicionada. O resultado final foi de 10 votos a favor dessa tese e um contrário.
9 de novembro de 2017 – Alteração na lei
O então presidente Michel Temer (PMDB) sancionou a Lei 13.505 que altera a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), mas vetou o artigo que permitia que delegados aplicassem medidas protetivas em casos de risco. Nova legislação prevê o direito da mulher vítima de violência doméstica e familiar a ter atendimento policial especializado, ininterrupto e prestado preferencialmente por servidores do sexo feminino. Além disso, apresenta procedimentos e diretrizes sobre como será feita a inquirição dessa mulher vítima de crime.
2018
Com a Lei nº 13.772/18, a Lei Maria da Penha passou por uma nova alteração na qual a violação da intimidade da mulher foi reconhecida como violência doméstica e familiar. O registro não autorizado de cenas de nudez ou de ato sexual também foi criminalizado.
2019
Duas normativas estabeleceram mudanças na Lei Maria da Penha. Uma delas, a Lei 13.827/19, autorizou que, em alguns casos, a autoridade judicial ou policial aplique medidas protetivas de urgência. Outra alteração veio com a Lei 13.926/19, que tornou obrigatório que seja informado quando a vítima for pessoa com deficiência.
2020
A mais recente alteração legislativa, com a Lei nº 13.984, de 2020, surge para estabelecer como medidas protetivas de urgência a frequência do agressor a centros de educação e de reabilitação e acompanhamento psicossocial. Devido à ação conjunta de Maria da Penha com movimentos feministas e instituições governamentais, a lei nunca sofreu retrocessos.
Com informações do Jornal O Povo e da Agência Brasil