Quixadá: Caos social e sofrimento dos beneficiários que passam noites ao léu

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Fila para beneficiários não prioritários da agência da Caixa, em Quixadá, nesta terça-feira (5). (foto: Revista Central)

Quixadá: Desde que os saques do auxílio emergencial foram liberados, a agência da Caixa Econômica Federal de Quixadá – assim como outras pelo Brasil – sofre com a superlotação causada pela demanda de saques e cadastros do programa Caixa Tem.

Na Terra dos Monólitos, a situação possui um agravante. O município tem a missão, já que é um polo de referência regional no comércio e consequentemente em serviços bancários, de suprir a necessidade para além de sua população estimada em quase 90 mil habitantes. Municípios vizinhos, que um dia já foram distritos de Quixadá, ainda dependem de serviços essenciais prestados somente no maior município da região, como os que são ofertados por bancos públicos.

Banabuiú, Ibaretama e Choró não possuem agência da Caixa, e qualquer problema que não seja resolvido em casa lotérica, como erros em cadastros e geração de senhas para saques sem cartão (solicitados em vários casos de problemas com o Caixa Tem), os cidadãos devem procurar a agência referência de Quixadá.

“Não é de hoje que o município de Quixadá desempenha papel fundamental na economia do Sertão Central. A problemática está em, na maioria das vezes, o poder público não assumir esse papel e negligenciar o caráter regional que o município possui.” (observação pessoal do autor)

Distritos e municípios vizinhos

Em uma visita realizada nesta terça-feira (5), nas dependências da agência da Caixa, em Quixadá, foi possível analisar que boa parte dos beneficiários que estavam ali eram de distritos e municípios vizinhos. Em conversa com uma residente de Juatama, distrito localizado há 18km da sede, a beneficiária revelou que estava desde a noite anterior (segunda-feira, 4) na fila aguardando atendimento. Ela veio com o marido em uma motocicleta, mesmo sem possuir carteira de habilitação, para concluir o cadastro do aplicativo Caixa Tem.

O relato da mulher evidencia ainda que um problema desencadeia vários outros. Mãe de dois filhos, ela teve que deixar o maior – de quinze anos – supervisionando o irmão caçula. Sem possuir permissão para dirigir, arriscou-se utilizando estradas vicinais para burlar as fiscalizações de trânsito. A preocupação dela, depois de enfrentar todos esses empecilhos, consistia em não conseguir retornar para casa, por conta do clima propício para chuva, que poderia obstruir a única via de acesso para sua residência.

Uma cidadã de Banabuiú, portadora de doença respiratória crônica, também aguardava atendimento. Ela buscou a agência depois de fornecer um e-mail sem acesso no cadastro do Caixa Tem. O problema, que não pôde ser resolvido pelo aplicativo, levou a beneficiária a buscar o atendimento presencial.

Exclusivamente nesta terça-feira (5), pessoas nascidas em novembro e dezembro eram prioridades no atendimento, que segue um calendário de acordo com os meses do ano. Por ser do último mês, sofrer de asma e ser de outro município, ela conseguiu o atendimento. Mas para isso, a mulher teve que desembolsar – mesmo desempregada – o valor de R$70,00 reais para conseguir chegar a Quixadá.

Beneficiários com prioridade – mães com criança, lactantes, gestantes, dentre outros – aguardam sentados debaixo de uma estrutura montada pela Prefeitura de Quixadá. (foto: Revista Central)

Com a interrupção dos transportes intermunicipais, a única alternativa para quem não possui veículo próprio e reside em municípios vizinhos, é fretar carro ou um mototáxi, a depender da disponibilidade.

Duas noites e três dias na fila

Um homem residente no distrito de Custódio, que por falta de instrução não conseguiu completar o cadastro da conta digital, revela que chegou no domingo (3) e que até esta terça-feira (5), não foi atendido. Ele está na fila normal, que anda vagarosamente. Para não fadigar e evitar outros problemas pessoais, o beneficiário marcou seu lugar na fila, e contava com a ajuda dos outros para que seu lugar não fosse esquecido.

Esses beneficiários que estão na fila não prioritária reclamam, constantemente, que não recebem senhas ou que a demora é absurda.

Vídeo> Beneficiários do auxílio emergencial passam a noite em fila para garantir atendimento, em Quixadá

Despreparo

A agência da Caixa em Quixadá, contava nesta terça-feira somente com o segurança do estabelecimento, a primeira pessoa que se vê da instituição, como distribuidor de senhas e responsável por tirar dúvidas dos beneficiários.

Vídeo> Segurança distribui senhas para clientes na agência da Caixa, em Quixadá

No interior da agência, um estagiário com a bata “Posso Ajudar?”, era o único presente para auxiliar clientes nos caixas eletrônicos, que em maioria não necessitava. Um outro funcionário com função não identificada, timidamente, solucionava as dúvidas dos clientes mais ousados que adentravam na agência em busca de informações.

Atendimento

Clientes que conseguiam, por fim, o atendimento com os bancários e tinham seus problemas resolvidos, relatavam aliviados, que o atendimento tinha sido bom, diferente do que era prestado no exterior da agência, nas filas.

Os problemas resolvidos temporariamente, podem se repetir. Em casos de fornecimento de dados errados no aplicativo Caixa Tem (email e telefone), é expedido uma senha para o saque da primeira parcela. Para as parcelas seguintes, caso o aplicativo não seja corrigido, o beneficiário deverá buscar novamente o atendimento presencial.

Pessoas que ficaram desempregadas e precisam de comprovantes do FGTS para solicitar o seguro-desemprego também buscavam atendimento, em meio aos beneficiários do auxílio emergencial. Uma lactante que trabalhava em Horizonte e que possui ligação natural com Quixadá, desempregada devido a parada súbita da economia, procurou a agência por não conseguir imprimir um extrato pelo aplicativo do FGTS.

Caos social

“Quem presencia o que está acontecendo diariamente nas agências bancárias, percebe que muitas pessoas em vulnerabilidade social já vivem em meio a um verdadeiro caos social, causado pela pandemia de COVID-19 e negligência de autoridades públicas. Omissão daqueles sem instrução miníma em tecnologia para realizar um cadastro, onde está a assistência social do município? Exposição ao vírus altamente contagioso, cadê a saúde pública?

A culpa, apontada por aqueles com privilégio de estar em isolamento domiciliar, não pode ser jogada descaradamente nesses que vivem à margem da sociedade. Não estamos em uma ocasião para apontar um culpado. É hora de agir!” (nota do autor)