A inserção precoce de nossas crianças no mundo da tecnologia é algo, realmente, assustador. Acreditem, é pura verdade, 97% das crianças brasileiras se utilizam da “internet” e são craques (não mais de bola), mas no manuseio do computador. É claro que aqui na Terra dos Monólitos não é diferente. Damiana, a mais novinha, só cinco aninhos, é minha professora e ensina de que jeito devo usar o “celular”.
Os adolescentes são ‘doutores’ em outras ferramentas tecnológicas. Sei que, hoje em dia, não temos mais como nos desvincular de todo esse aparato e sei, também, que a tecnologia possibilita uma condição melhor, como por exemplo, nas pesquisas escolares. O que me preocupa e a todos os pais é a quase perda total das relações humanas. Chego em casa vindo do trabalho, muito cansado e meus filhos nem percebem mais a minha chegada.
A Carminha no “notebook”, o Fitita no “videogame” nem aí comigo! A Fernanda, mãe dedicada, vai para a cama e não ganha nem um abraço! Sei até demais que esta geração já nasceu imersa no mundo virtual, mas, meu Deus, não podemos controlar um pouco isso? Foi aí que resolvi ir à luta e tentar mudar nem que seja um pouquinho esta rotina, ao menos no período da noite. Foi aí que apareceu um anjo da guarda do saber(é assim que chamo as professoras) e me sugeriu leitura de livros próprios da idade deles. E de cara, me indicou “A Bailarina Fantasma” da escritora cearense, a querida Socorro Acioli (foi aluna de Gabriel Garcia Márquez). Corri, feito um louco até a banca do Milton, mas o preço era bem salgado.
Pedi, então, emprestado a uma amiga vizinha. Ainda bem que, lá em casa, a mais antiga do bairro Baviera, tem alpendre, um espaço que para nós, é um pedacinho do céu, onde nos reuníamos num passado não tão distante, com o objetivo de admirar a “Soberana de prata”, a lua bonita. Foi preciso um jeitinho bem especial afim de convencê-los a se ligar na leitura. Nessas horas recorro a doçura da mãe(sempre ela) e, finalmente, eles concordaram.
Ao ouvirem o relato das primeiras páginas, foi desmontado o desinteresse inicial. Chega a ser impressionante o fato da escritora Socorro Acioli ter este poder de fazer com que as crianças e adolescentes caiam nas malhas de sua literatura. Como o grande cenário do livro era o teatro José de Alencar tive a ideia de dar o mesmo nome ao velho alpendre de nossa casa.
No livro, uma linda bailarina difere das outras, pois flutua no espaço do teatro e somente uma garota, a Anabela, consegue vê-la e depois do medo inicial se tornam amigas e confidentes. Era a bailarina fantasma! O doce enredo comoveu meus filhos e o tão sonhado abraço(como sonhei com este momento, meu pai celestial!) me fez sentir que não fui substituído completamente pelos atrativos da modernidade. E o velho alpendre como num passe de mágica parecia mesmo ser um belo teatro.
Damiana, na sua sabedoria natural, apesar dos 5 aninhos, pergunta: Papai, a bailarina fantasma tem fome? Chama ela aqui, eu lhe dou um pouco do meu iogurte e um biscoito. E, muito vivinha, dispara: “Pede a tia Socorro para trazer a bailarina fantasma aqui em casa!”! Pode dizer que não tenho medo dela, vamos ser amigas! Queria tanto que ela me ensinasse a voar dançando! A mamãe faz um vestido azul para mim e ela! Adormeceu e foi levada para o quarto e, com certeza, o seu encontro com a bailarina acontecerá num lindo sonho.
Os mais crescidinhos, terminada a leitura me abraçaram, levando-me as lágrimas, pois não passo sem o carinho deles. Agora, quase todas as noites nos reunimos e buscamos outras formas de convívio. Não tive a oportunidade de conhecer a escritora cearense, Socorro Acioli, mas muito lhe agradeço pelo fato de seu livro ter sido o ponto de partida para uma convivência mais afetiva aqui em casa. Sou um pai que quero a tecnologia fazendo parte do crescimento dos meus filhos, mas que ela sirva para nos aproximar e jamais nos afastar. É um desabafo de um pai quase destruído pela rapidez das mudanças que ocorrem nos dias de hoje. Nada, absolutamente nada, substitui o abraço de um filho! Pais e mães quixadaenses, aquele abraço do Amadeu Filho que é um pai que assim como vocês não querem ser substituídos pela tecnologia. Conseguiremos?
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