Naquele paraíso que era a praça da matriz na doce e pacata Quixadá, meados dos anos 30, jovens e senhores conversavam nos bancos, outros volteavam, uns tentando vencer a timidez para se declarar a um(quem sabe!) futuro amor. Casais passavam pela praça e indo até o Mercado Público fazer compras na banca dos magarefes Zé Laranjeiras, Antonio Vidal. Animados adolescentes se dirigiam ao Grupo Escolar para acompanhar as aulas da professora Nila (ensinou o bê-a-bá a muitos filhos da terra dos monólitos).
O cheiro de pão quentinho vindo do balaio de Zé Migalha enchia a praça de um aroma que parecia vir do céu. O canto dos pássaros só era interrompido pelo apito do trem que evocava a saudade ou a festa pela chegada de alguém. Por um momento, as atenções de todos se voltaram para a passagem de um transporte bem popular na cidade, a charrete. O que chamava a atenção de todos era o fato de ser conduzida por uma linda jovem, de cabelos curtos, pele brilhante, rosada. Era uma mulher, uma jovem bem à frente de seu tempo.
Quem era esta quixadaense que rompia preconceitos? Nas outras vezes, andava de bicicleta, escalava montanhas. Maria Rocilda Ferreira da Fonseca foi, sem nenhuma dúvida, responsável pela mudança de comportamento de gerações. Uma mulher revolucionária, pioneira e corajosa, certamente. Desempenhou um papel fundamental para extraordinárias conquistas na terra dos monólitos(para ela, a mais linda cidade) que tanto amou. Participou da vida política de Quixadá, tendo subido no palanque para defender a candidatura de Anastácio Eudásio Barroso numa disputa acirrada com José Forte Magalhães e Antonino Fontenele(desistiu da candidatura), passando a apoiar o médico candidato.
Na noite de 28.11.1954, acompanhou e bem feliz, a diplomação do Dr. Eudásio Barroso nos salões do “Cine Yara”, o nosso “São Luiz” do sertão. Católica fervorosa, participava das atividades da igreja em eventos com o objetivo de angariar recursos para a construção da catedral e outros trabalhos na paróquia. Sempre esteve presente nas festas dos padroeiros da cidade tendo acompanhado durante muitos anos a procissão até o açude do Cedro. Atendia ao chamado do Padre Luiz que pedia a todos que cantassem com fervor o hino da Sagrada Família. E ela entoava com muita dedicação os versos: “Soldados de Jesus, marchemos sobre a cruz com São José e Maria”. Maria Rocilda casou-se em 27.12.1941 com o jovem português Manoel Rodrigues da Fonseca, em Fortaleza.
A paixão que alimentava este casal renderia o mais lindo texto, a mais bela história de amor. Desta divina união nasceram 11 filhos, sendo 4 homens e 7 mulheres, dos quais dez nascidos pelas santas mãos da parteira Mãe Júlia(era assim que, carinhosamente, a chamavam). Distante de sua terra, longe de seu querido Portugal, Manoelzinho encontrava forças neste anjo da guarda e juntos ouviam, coladinhos um ao outro, belos fados nas vozes de Amália Rodrigues e Ada de Castro.
Rocilda conseguiu que seu doce amado, também apreciasse as mais lindas valsas brasileiras como “Branca” e “Aurora”. Era uma amante da natureza mas fazia questão de afirmar que a de Quixadá era a mais bela do mundo. Brincava com a família declamando os versos de “Luar do Sertão” de Catulo da Paixão cearense. Assim declamava “Não há, ó gente, ó não, luar como esse de Quixadá”. Para que os amados filhos pudessem prosseguir nos estudos foram residir em Fortaleza no ano de 1975. Eram os terríveis anos da ditadura militar e Rocilda sofreu muito por defender seus filhos, que sempre estiveram engajados na luta contra o regime militar. Sua filha, Rosa da Fonseca, por exemplo, foi presa e torturada mas, sem nunca ter desistido da luta ao lado dos irmãos. Visando proteger a integridade dos filhos, enviou até cartas para o papa. Rosa sempre afirmou que sua mãe foi uma inspiração de luta, de combate as injustiças que ainda hoje estão presentes em nosso país e no mundo todo.
Possuidora de uma vasta cultura, Rocilda devorava textos de Érico Veríssimo, Rachel de Queiroz, José de Alencar, Machado de Assis(de quem admirava a forte ironia). Mas, mesmo detentora de talento e grande destaque na cidade tinha um carinho todo especial com os mais simples. Prova maior é que reunia na calçada de sua residência, crianças das vizinhanças para, junto aos seus filhos, lhes contar belas histórias que retirava dos livros. Muitas vezes, uma pequenina ou pequenino terminava dormindo em seus braços. Sabe-se que adquiria saquinhos de pipocas no carrinho do senhor Juvenal para distribuir com as crianças que residiam próximo a sua residência. E assim conquistou o coração de todos que a conheceram. Seu grande interesse pela Literatura, lhe permitiu escrever e publicar o livro “Contos de Nossas Vidas” sobre a história da família. A guerreira faleceu em 9 de maio de 2001. Aqueles que conviveram com Rocilda garantem que se sentiam bem mais felizes estando pertinho dela. Quando alguém a ela se dirigia, em certos momentos de dificuldades, sempre afirmava, com os olhos cheios de uma ternura infantil: “Nunca se sinta abandonado! Deus está sempre nos esperando de braços abertos!
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