Uma ação ordinária de ressarcimento de danos, originariamente ajuizada perante a Justiça Estadual (Comarca de Ibicuitinga, processo nº 547-31.2000.8.06.0088/0), pelo Município de Ibicuitinga, em face do ex-prefeito municipal Francisco Anilton Pinheiro Maia, tendo em vista a aplicação indevida de recursos federais repassados à municipalidade, em sua gestão, por meio de convênio (n° 554909) celebrado com o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNOCS, está sendo motivo de uma verdadeira disputa não entre as partes, mas entre as Justiça Federal com Estadual.
A ação foi protocolada no juízo da Comarca de Ibicuitinga, mas este declarou ser incompetente para processar e julgar a ação e remeteu os autos a Justiça Federal (sob o nº. 0800519-36.2016.4.05.8105). Esta por sua vez decidiu que não seria a competente e sim e declinou novamente para a Justiça Estadual.
Em despacho, restaram determinadas as intimações da União e do DNOCS para informarem acerca de eventual interesse em integrar a lide, os quais se manifestaram pela ausência de interesse tendo a autarquia federal, na ocasião, comunicado que a Tomada de Contas Especial foi encaminhada à Procuradoria Federal no Ceará para fins de inscrição em Dívida Ativa da União e execução fiscal.
Em sua fundamentação, o juiz Dr. Ricardo José Brito Bastos Aguiar de Arruda, da 23ª Vara Federal de Quixadá entende que a matéria referente à competência é de ordem pública. Nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal, compete à Justiça Federal processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.”
“Verifica-se, portanto, que a competência cível da Justiça Federal define-se pela natureza das pessoas envolvidas no processo, e não pelas matérias discutidas, razão pela qual, inexistindo interesse a justificar a integração à lide da União ou de qualquer autarquia ou empresa pública federal, seja na condição de autoras ou rés, seja na de assistentes ou oponentes, devem os autos serem remetidos ao Juízo competente para julgar a matéria veiculada na ação”, cita em sua decisão.
Para o magistrado, se trata de ação de ressarcimento do Município contra particular, não se revelando interesse em ingressar no feito por parte da União e do DNOCS.
O juiz diz que o teor das Súmulas nº 150 e n º 209 do Superior Tribunal de Justiça – STJ 150, diz que “Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas. Já a súmula 209/STJ, cita que “Compete à Justiça Estadual processar e julgar Prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal.”
“No caso vertente, resta evidenciada que a Justiça Estadual é a competente para o processamento do feito, até mesmo porque se trata de “verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal”. Isto porque, se a aludida verba não tivesse sido integrada ao patrimônio municipal, faltaria ao Município até mesmo legitimidade e interesse processual em relação ao respectivo pedido de ressarcimento de valores”.
Inexistindo, pois, interesse da União ou de qualquer ente federal na lide, resta de logo afastada a competência do Juízo Federal para o seu processamento e julgamento.
“O entendimento anteriormente adotado era de extinguir o processo, em razão da incompatibilidade entre os sistemas, pois o sistema pelo qual tramita o presente processo é o PJE, o que resultava na inviabilidade da remessa dos autos à Justiça Estadual, uma vez que aquela seara jurisdicional utiliza sistema autônomo que ainda não se comunica com o sistema PJE (desenvolvido pelo CNJ/TRF5), de modo que a única solução, portanto, é a extinção do processo sem resolução de mérito”.
Mesmo assim, destaca o juiz Ricardo José Brito Bastos Aguiar de Arruda: “Contudo, o STJ decidiu, em junho de 2016, que o argumento de impossibilidade técnica do Poder Judiciário em remeter os autos para o juízo competente, ante as dificuldades inerentes ao processamento eletrônico, não pode ser utilizado para prejudicar o jurisdicionado, sob pena de configurar-se indevido obstáculo ao acesso à tutela jurisdicional”.
Dessa forma, adotando o entendimento exposto, e considerando que o processo já iniciou perante a Justiça Estadual, o juiz federal reconheceu a incompetência absoluta para conhecer da causa, determinando a remessa dos autos ao juízo competente, no caso a Justiça Estadual.
“Diante do exposto, reconheço a incompetência absoluta deste juízo, determinando a remessa dos autos à Justiça Estadual competente, nos termos do art. 64, §1º do CPC/15 c/c súmula 150 do STJ.”
No meio dessa situação, o ex-prefeito de Ibicuitinga que já deveria ter ressarcido os cofres públicos continua se beneficiando com tais equívocos.