Pessoas hipertensas, com insuficiência renal, que tomam corticoides, por exemplo, não podem beber desta água, que em vez de hidratar causa a desidratação, avaliou.
A Operação Carro-Pipa (OCP) abastece 1,3 milhão de cearenses – e com previsão de aumento desse contingente populacional. Por isso, a reportagem decidiu conhecer de perto como é o processo de captação e os principais reservatórios. Em nossa primeira parada, nos deparamos com o açude do Patu, localizado no município de Senador Pompeu, um reservatório agonizando, com apenas 10% da sua capacidade e uma capa de lodo sobre as águas.
Questionando se a água é própria para o consumo, descobrimos que não há dados públicos sobre isso. O governo se nega a publicar as análises rotineiras feitas na água. Assim a população, na maioria das vezes, não faz ideia da procedência da água que está recebendo. Só pelo aspecto e pelo cheiro, sem a análise laboratorial, todos reprovam essas águas.
Por meio de uma parceria com os laboratórios de Geologia Marinha Aplicada e Microbiologia de Alimentos, ambos da Universidade Federal do Ceará (UFC), resolvemos tirar a prova. Levamos para análise amostras das águas dos açudes do Patu, Pedras Brancas e Castanhão – este último o maior do Estado, responsável também por abastecer a capital, Fortaleza. Nesse caso, porém, a água passa antes pelo tratamento da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece).
Nenhuma das coletas passou nos testes de potabilidade, seja na análise físico-química ou microbiológica. Ou seja: são impróprias para o consumo humano.
Foram testadas amostras com cloro e sem cloro, ou seja, antes da desinfecção feita pelos “pipeiros” e depois de acompanhar os pipeiros até as comunidades, coletamos as amostras já com o cloro dissolvido.
Somente as águas do Patu não tinham presença de coliformes fecais.
Nem as águas do Castanhão, o maior reservatório do Ceará, passaram no teste. O laudo acusa tanto a presença de coliformes fecais quanto níveis altos de amônia, turbidez e ferro. Segundo o laudo, o elevado teor de amônia indica poluição da água por matéria orgânica, e a elevada turbidez da água é preocupante, uma vez que substâncias tóxicas podem ter sido absorvidas.
Os altos níveis de sódio e cloreto do açude de Pedras Brancas, que abastece os municípios de Quixadá e Quixeramobim, entre outros, chamaram atenção de especialistas. “A repercussão destes resultados é muito séria. Pessoas hipertensas, com insuficiência renal, que tomam corticoides, por exemplo, não podem beber desta água, que em vez de hidratar causa a desidratação”, avaliou o infectologista Ivo Castelo Branco.
“As pessoas se arretiravam de um lugar pra outro com as famílias, não tinham recurso, chegavam nas fazendas e pediam dinheiro, comida. Muitos morriam, principalmente crianças, desnutridas e com diarreia. Seca mesmo, quando não chove, não tem nada”, conta o agricultor aposentado Manoel Dias Tavares, cujos 72 anos são marcados pelos ciclos de seca no sertão do Ceará. A mais grave, lembra-se, foi a estiagem de 1978, com cinco anos de duração. A atual é a oitava seca testemunhada por seu Manoel, morador de Quixadá, no sertão cearense. Há quatro anos, 5,3 milhões de habitantes vivem em 176 cidades que estão, oficialmente, em situação de emergência – 96% dos municípios do Estado. Ali, seja por meio de projetos como as cisternas de placa ou de plástico, perfuração de poços, abastecimento por carros-pipa, a população rural tem conseguido sobreviver. Mas nem sempre da maneira adequada. “Antigamente ninguém falava em água, hoje toda água é poluída. Naquele tempo, há mais de 30 anos, a gente ia trabalhar na mata, pegava uma cabaça e enchia de água do poço, bebia e não dava nada. Hoje não se pode mais fazer isso, seja em poço ou em açude mesmo. Agora a água é poluída, faz mal”, reclama o aposentado, da varanda da sede da fazenda onde é caseiro há dez anos.
Agência Pública!