A eleição do cardeal norte-americano Robert Francis Prevost como novo papa da Igreja Católica, ganhou ainda mais significado para o povo nordestino com a escolha do nome Leão XIV. O título não era utilizado há mais de 120 anos e remete ao legado de Leão XIII, pontífice que marcou a história religiosa do Ceará ao conceder absolvição a Padre Cícero Romão Batista, o popular “Padim Ciço”.
Natural da cidade do Crato, Padre Cícero foi suspenso de suas funções de padre após o famoso Milagre da Hóstia: a sagrada comunhão dado por ele durante uma missa, se transformou em sangue na boca da beata Maria Araújo. O fenômeno se repetiu várias vezes.
A repercussão dos eventos dividiu a Igreja e duas comissões foram instituídas pelo então Bispo do Ceará, Dom Joaquim, para encontrar uma explicação. A primeira não encontrou um fundamento científico que explicasse o fenômeno, e insatisfeito com a repercussão, Dom Joaquim liderou a segunda comissão que classificou os eventos como fraude, levando Roma a proibir o sacerdote de pregar, celebrar missas e confessar.
Mesmo afastado das funções religiosas, a história dos milagres atribuído a Padre Cícero ganharam força pelo Brasil, e uma multidão de fiéis era atraído a Juazeiro, tornando tanto o padre como a cidade como o berço da fé nordestina e uma das figuras mais populares do catolicismo brasileiro.

O encontro com o papa
Em 1898, em meio ao impasse com a hierarquia eclesial, Cícero, que a essa altura já não podia mais usar o nome de padre, viajou a Roma e foi recebido em audiência pelo então papa Leão XIII, que lhe concedeu a absolvição. Como sinal de gratidão, Lira Neto, em sua biografia sobre o Padim Ciço, afirma que Cícero presenteou o pontífice com um rosário de ouro, marcando simbolicamente sua tentativa de reconciliação com a Igreja.
A decisão do papa, contudo, durou apenas alguns dias e enquanto Cícero voltava para Juazeiro, Dom Joaquim tratou de articular uma medida que forçou o Vaticano a rever a absolvição dada por Leão XIII, mantendo as restrições a Padre Cícero. Mesmo assim, a lembrança do acolhimento de Leão XIII permanece viva entre os devotos. Para muitos, foi ele o único pontífice da época a estender a mão ao sacerdote do Cariri.
A retomada desse nome, agora em pleno século XXI, com a escolha de Leão XIV pelo atual papa, ocorre no momento em que a Igreja Católica avança no processo de reabilitação histórica de Padre Cícero. Em 2015, o papa Francisco anunciou sua reconciliação com a Igreja. Em 2022, o bispo de Crato, Dom Magnus Henrique, anunciou o início oficial do processo de beatificação, conferindo ao religioso o título de “Servo de Deus”.
Com a eleição de Leão XIV, fiéis de todo o país e especialmente os milhões de romeiros que todos os anos visitam Juazeiro do Norte, voltam os olhos para o Vaticano com esperança. Para muitos, o gesto de retomar o nome “Leão” pode representar mais do que uma homenagem ao passado, um sinal de continuidade e justiça espiritual com figuras populares de fé, como o eterno Padim Ciço.