Aconselhado pelo meu bom amigo, Dr. Durval, decidi que a atividade física fará e espero que seja por muito tempo, parte da minha rotina. Incentivado por este qualificado profissional faço uma caminhada de pelo menos 30 mininutos umas 5 vezes por semana. Confesso que tive melhora na ansiedade e também no estresse. Difícil mesmo foi vencer a preguiça (pecado capital), mas Deus é misericordioso e consigo coragem para realizar tal atividade. Melhorei muito daqueles inchaços nas pernas (já passei do cabo da Boa Esperança, mais de 60) e até da postura corporal. Mas digo para meus amigos que o melhor de tudo e que vem me fazendo muito bem foi o local escolhido para a caminhada que acontece na Praça José Marques da Silva, antiga Nogueira Aciolly e conhecida por todos como praça da Estação. Que pedacinho bom, parece que caiu do céu.
Neste espaço, traço pontes entre passado e presente. Caminhar ali é um doce prazer, sem dúvida. Meus pensamentos, naquele momento, fazem uma grande viagem ao passado. Aquela estação ferroviária enfeitiça meus pensamentos e a saudade torna-se dona de minha pessoa, não consigo controlar, ela é incompatível. Início a atividade física e começam as lembranças que parecem não ter fim. Sinto como se estivesse vendo a chegada e saída dos trens naquela velha estação que transformava-se num local de encontros e despedidas. Relembro aquela gente, crianças e adultos, com quartinhas na cabeça para vender água e outros produtos. Vejo o Messias, hoje mecânico afamado, vendendo castanhas, doces e até farofa com galinha e outros amigos que, hoje, são adultos e alguns até profissionais bem sucedidos.
Parece que estou vendo o senhor Helder Lopes Paixão, agente de estação, com aquele uniforme padrão da “RFFSA” e na minha juventude pensava que estava diante de uma autoridade oficial, um almirante, talvez. E aqueles maquinistas eram para mim como se fossem velhos conhecidos. Alguns deles eram amigos de minha mãe Itamar e meu pai Amadeu. Lembro que o senhor Diaquino adorava malassada preparada por uma tia minha, a Maria. Manoel Pacife e o Mundico realizaram um grande sonho que foi viajar numa locomotiva chamada “Maria Fumaça”.
Nunca esqueci, foi um passeio cheio de encantos. Aqueles apitos, aquele som das rodas, aquela fumaça, que lindo meu Deus! Jamais esquecerei o dia em que jogadores do Fortaleza passaram na estação de Quixadá para um jogo em Juazeiro. Eram os inesquecíveis anos 60. Vi, bem de pertinho, os craques Birungueta, Mesquita, Zé Paulo, Carneiro e outros. Lembro demais quando o meu amigo professor Baiá fez uma gozação com Zé Paulo lhe passando quase na cara: “Ainda tá molhado com aquele banho de cuia(chapeuzinho) que o Gildo lhe deu no PV?” E minha caminhada prossegue e sinto, percebo que meu rosto está molhado de lágrimas e o motivo é não ter encontrado ali o velho abrigo. Mas, ele estava ali, o que houve com ele? Aquele abrigo foi construído nos anos 50 na administração do prefeito Hermínio de Medeiros Dinelly com o objetivo de acolher aqueles que se dirigiam para a estação ferroviária.
O pessoal ficava esperando a chegada dos trens e alguns ansiosos para dar uma olhada nos jornais do dia. Os funcionários do cinema como meu primo Dedé, Luizinho Marinho, Sebastião Mamede e até o proprietário José Adolfo aguardavam o momento de receber os depósitos que continham os rolos de fitas do filme que iam ser exibidos no Cine Yara. Numa das latas vejo o título do filme “Tarzan e as Amazonas”. Parece que estou vendo a pose do Augusto Doido devorando páginas dos jornais “Correio do Ceará” e “O Povo”.
Os que chegavam na estação e ficariam em Quixadá se dirigiam a pensão de dona Odília que a todos atendia com presteza. Já deixei muitos amores para trás, mas a minha paixão pela ferrovia é eterna enquanto durar. Alguém interrompe a minha caminhada para tentar vender um bilhete da loteria e aí me vem a lembrança do Cição com aquele paletó sempre branco e que entrava nos vagões dos trens para oferecer a sorte(ou não) a algum passageiro. E acreditem, ele ia até Capistrano. No som do carro de alguém que circula próximo a praça, ouço uma canção de Waldik Soriano que me faz recordar do bar do Apulco, ali pertinho. Apulco era conhecido como “o rei do vinil” pois possuía uma imensa coleção de discos de vários cantores e de todos os estilos. Ali, arruinava a minha juventude jogando sinuca com colegas de uma malandragem inocente.
Tinha um amigo por apelido Herói que era um craque nos embates entre tacos e bolas e era imbatível. Aquela praça é também lugar de artistas urbanos e que mostravam (ou acreditavam mostrar) seus talentos. Muitas vezes, assisti Pedro Paraíba levando pessoas às lágrimas interpretando “O Ébrio” de Vicente Celestino. O seu irmão conhecido por “Veinho” imitava os discursos do presidente Getúlio Vargas e a praça toda escutava: “Trabalhadores do Brasil!”
Outras vezes, presenciei o Olho de Bila fazendo desenhos incríveis e até falando algumas palavras em língua inglesa. Mas o vi também botando prá correr muitos adolescentes que se dirigiam aos colégios. Aquele espaço me fez ter contato com santos (eleitos por mim mesmo) como Frei Guido, Padre Valfredo, Frei Demétrios que, com certeza, seguiam para a igreja do Alto de São Francisco. Quantas vezes vi por ali, Padre Bezerra, com um uru(cesto de palha) carregado de peixe e cumprimentando a todos.
Um detalhe é que todos explodiam em simplicidade e simpatia. Nunca esqueci o dia em que Chico Maneiro deu uma canjinha num dos bancos da praça alegrando as pessoas com sua sanfona celestial. No meio da caminhada, percebo que alguém escuta uma canção de carnaval e logo me vem à lembrança do bloco dos sapateiros desfilando ali por perto, tendo como comandante o sapateiro Zé da Lasca.
Lembro que um dia a cidade ficou triste por ocasião da morte do senhor Raimundo Coletor, muito querido na cidade. Ele morava na casa em que nos dias de hoje, abriga o Museu Jacinto de Sousa. Sinto um forte cheirinho de fumaça e logo deduzo que vem do cachimbo mágico de vovô Bananeira e aí busco o janelão de sua casa para ver dona Soledade gastando sua bondade com as pessoas que passavam naquela hora. Olhando para o lado vejo um senhor de macacão numa velha bicicleta e com caixa de ferramentas na garupa e por um momento, pensei tratar-se de Pedro Nunes. Mas não era ele! Mais a frente, passa uma senhora e meu coração acelera pois, juro amigos, ter visto a simpática e querida Nina. Sim, era ela se dirigindo ao Cine Yara com o objetivo de vender os ingressos para os freqüentadores daquele icônico e inesquecível cinema de rua.
Um apito de sirene me desperta e tristonho percebo não estarmos mais nos anos 60, 70. As últimas voltas da caminhada me reservam belas surpresas. Dou de cara e cumprimento com muito prazer meus amigos Mille e Marcus, filhos da inesquecível amiga e fotógrafa de muitos talentos, Inês Sousa. E estes jovens são netos do talentoso escultor quixadaense, Jacinto de Sousa, autor do monumento erguido na praça e que é uma homenagem a classe proletária. Finda a atividade física daquele dia, me bate a vontade de comer algo e me dirijo a padaria do senhor Cisne, mas ela não mais existe. Então, o jeito era comprar tapioca no café da popular Rosa Gorda, mas ela também não estava mais lá. São situações que acontecem comigo a cada vez que faço caminhada na praça da estação.
As pessoas que penso encontrar não estão mais ao meu lado mas estão na minha mente e no meu coração. Sabe, amigos, esta minha atividade física parece um belo sonho, acontecem tantas coisas bonitas e ,claro, fazem um bem enorme a minha saúde. Já me sugeriram outros locais mas continuo preferindo aquele espaço.Ali, vivi os mais lindos momentos da minha vida. Não é certeza, mas, possivelmente, alguém caminha num determinado local por algum motivo especial. O meu, como deixei bem claro, é tecer a saudade, ter de volta aquele tempo bom e conviver mesmo que em pensamentos com aquelas pessoas que não estão mais entre nós(Ou talvez, estejam).
_____
Autor