Coluna Amadeu Filho: Treinador cego fez sucesso no futebol quixadaense

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Tem sempre a resposta na ponta da língua ao ser indagado como um cego treina um time de futebol.

“Vamos chutar no gol. Cola em cima do ponta deles. Quero o time pra frente. Vamos correr, olha a moleza. Vamos, vamos, vamos. Tá na hora de empatar. Hei, seu juiz, foi pênalti!”,  expressões fazem parte do vocabulário do técnico de futebol, a beira do gramado. É absolutamente normal, mas o que dizer quando essas recomendações todas partem de um treinador completamente cego?

Acredite se quiser, mas em Quixadá, no Sertão Central cearense, durante um bom tempo, um deficiente visual fez muito sucesso como treinador. Temos notícias de cegos que consertavam motores de carros, relógios, e um técnico cego é algo realmente muito anormal.

Expedito Nogueira de Queiroz veio ao mundo no dia 14 de fevereiro de 1930, aos 8 anos foi acometido de grave doença e desenganado pelos médicos, mas apareceu alguém que indicou para a sua cura, ervas sertanejas como pega-pinto, vassourinha e casquinha de Jatobá. “Fiquei curado e passei a admirar as plantas medicinais”, disse em entrevista.

A admiração foi tanta que, ainda hoje, mantém uma farmácia (como ele chama) que vende esses medicamentos caseiros. A família recebeu como herança, a fazenda “Serrote Branco”, que se tornou uma das paixões de sua vida. Aos 27 anos, o mundo se escureceu para ele, ficou completamente cego. Sempre contando com o carinho dos pais, foi superando com dignidade esse momento. Seu Francisco Nogueira, querendo levar alegria ao filho, montou um comércio pra ele, um salão de dança e, a poucos metros do comércio, um campo de futebol.

Chegou a hora de montar o time de Serrote Branco que logo ganhou o nome de “Cearasinho”. Os craques do lugar se apresentaram querendo vestir aquela camisa, mas tinha um problema, quem seria o técnico. Só havia um morador no Serrote Branco que tinha um profundo conhecimento sobre futebol, pois, ainda com a visão, tinha lido sobre o técnico da seleção brasileira Vicente Feola e aprendeu sobre como montar uma equipe de futebol.

Expedito Nogueira de Queiroz, mesmo cego manjava só tudo sobre a bola e assim se tornou o vitorioso treinador do “Cearasinho”, que se tornou uma espécie de “mais querido do sertão”, no inicio dos anos 60.

Durante o treinamento o seu auxiliar narrava quando acontecia jogadas no ataque ou na defesa. Se fosse ao ataque, o Feola do sertão gritava “chuta no gol!”, se fossem jogadas na defesa, o alerta em voz alta: “marquem, não deixem chutar”.

A fama do treinador cego logo se espalhou por toda a cidade e até fora dela. O time de Serrote Branco virou uma grande atração, não tanto pelo futebol que jogava, mas porque todos queriam ver de perto Expedito comandar a equipe. A Senhora Maria de Lurdes, testemunha ocular do fato nos confirmou que foi pura verdade. “Achava legal quando ele gritava pedindo garra ao time, nunca me esqueci de quando ele discutia com o juiz, reclamando das marcações que ele achava erradas”. Os melhores do time, segundo o próprio Expedito, eram o goleiro Raimundo Grosso (para ele, igual a Gilmar); o ponta José Ribeiro, o meia José Maria, que ele comparava ao mestre Didi (o da folha seca).

Quando perguntam, como um homem cego pode treinar um time de futebol? Tem sempre a resposta na ponta da língua: “Um cego não foi o maior cantador do sertão? [referindo-se a Aderaldo Ferreira de Araújo]; José Esmeraldino de Vasconcelos não tocava mil instrumentos? Meu amigo Adolfo Lopes dominava como ninguém a mecânica? Então, eu fui o cego que treinou por quase 10 anos um time de futebol”. Expedito Nogueira de Queiroz ganhou fama, seu feito é sempre lembrado. Jornais de Fortaleza que deram destaque especial. Ele mereceu até uma crônica escrita por João Eudes Costa e apresentada em várias emissoras do estado.

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