Abilhão: Homem gastou prêmio da loteria com time do Quixadá Futebol Clube

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Abilho-2_fotoEm 1993, José Abílio não resistiu à doença. Morreu aos 69 anos, sendo quase 30 dedicados ao clube que amava.

Muito torcedor apaixonado sonha em ganhar na loteria para ajudar o time de coração. José Antônio Abílio de Lima teve essa oportunidade, em 1977. Presidente do Quixadá Futebol Clube, ele ficou milionário graças a uma das filhas, Maria José. Na época com 14 anos, a garota acertou o resultado dos 13 jogos de um concurso da loteria esportiva. Como prêmio, a família recebeu 3,7 milhões de cruzeiros, o equivalente a R$ 2,5 milhões na cotação atual. José Abílio podia ter tido uma vida de luxo, mas preferiu gastar quase toda a fortuna naquilo que mais amava: o futebol.

Dono de um pequeno negócio, José Abílio trabalhava numa banquinha de loterias e nunca fora considerado rico em Quixadá, mesmo para os padrões de três décadas e meia atrás. Como não havia agência lotérica na cidade, ele recebia os cartões de apostadores e, uma vez por semana, entregava-os em Fortaleza. Maria José, a mais chegada ao pai dentre os cinco filhos, sempre brincava de preencher cartelas da loteria esportiva. Certo dia, após muita insistência da garota, José Abílio decidiu registrar a aposta da filha. Para surpresa da família, Mazé, como é conhecida, conquistou o prêmio.

“Eu não entendia de futebol, então escolhi os resultados de forma aleatória. Como havia marcado sem querer que sairia empate no jogo do Brasil contra a Colômbia, deu zebra e o prêmio acabou sendo milionário”, relembra Mazé, hoje professora de uma escola pública em Fortaleza. Por ser menor de idade, o dinheiro foi depositado numa conta bancária em nome do pai. Nos dias seguintes, José Abílio comprou um sítio em Quixadá, algumas casas e um carro. O investimento em bens para a família, no entanto, parou por aí.


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Apaixonado pelo Quixadá, José Abílio gastou quase tudo que ganhou na loteria com o time da cidade. Ele contratou jogadores, comprou uma casa para a sede do clube, encomendou novos uniformes e alugou o melhor ônibus da região para as viagens do time. Não raro o dirigente tirava dinheiro do próprio bolso para dar aos atletas. “O José Abílio era um abnegado, fazia de tudo para ajudar o Quixadá”, confirma o ex-jogador Giordano Cruz.

Com o dinheiro do prêmio, o dirigente abriu uma agência lotérica. Difícil era se concentrar no trabalho, com tanto espaço destinado ao futebol entre suas prioridades. “O José Abílio era alucinado por bola. Ele assistia a um jogo pela TV e ouvia outro no rádio”, relata à viúva, a aposentada Antônia Azevedo de Lima. “Nossos passeios eram viajar para assistir a jogos do Quixadá. Cansei de ir para a Federação (Cearense de Futebol, em Fortaleza) ao lado dele”, conta Mazé.

Embora tenha ficado milionário, José Abílio permaneceu humilde, segundo relatos de quem viveu a época. “Ele só usava chinela japonesa e andava de bicicleta pela cidade”, assegura o ex-presidente do Quixadá, Walmir Araújo. No início da década de 1990, José Abílio descobriu que tinha câncer de próstata. Como boa parte do dinheiro da loteria havia sido gasto, o dirigente precisou vender alguns bens para custear o tratamento. “Nunca fomos ricos, por isso meu pai não se preocupou em gerenciar o dinheiro. Tivemos que recorrer às amizades que ele fez no futebol”, revela Mazé.

Em 1993, José Abílio não resistiu à doença. Morreu aos 69 anos, sendo quase 30 dedicados ao clube que amava. Três anos depois, a Câmara Municipal perpetuou os esforços do dirigente batizando o estádio da cidade com o nome de José Antônio de Lima, o Abilhão. Uma justa homenagem para o homem que pode ser apontado, sem exagero, como o torcedor mais fiel da história do Quixadá.

Família não guarda mágoas

A família de José Abílio não guarda mágoas do destino dado ao prêmio milionário. Dos cinco filhos, duas mulheres viraram professoras, as outras duas são donas-de-casa e o único homem trabalha como servidor público em Quixadá. Herdeiros do pouco que sobrou da fortuna, eles não lamentam que tenham hoje uma vida simples. “Dinheiro que vem fácil, vai fácil. Entendo que fizemos certo ao dar liberdade para o pai”, diz Mazé, convicta. “Muita gente criticava, mas o sonho que ele realizou foi o maior prêmio”.

Os familiares admitem, porém, que a gastança de José Abílio com futebol chegou a gerar atritos em casa. “Era difícil controlá-lo, pois éramos crianças e, naquela época, não se podia questionar a decisão de um pai de família”, comenta o servidor público José Azevedo de Lima, único filho.

Para conquistar o apoio de Mazé, que marcou o cartão premiado, José Abílio a presenteou com a coleção de discos de Roberto Carlos. “A gente era inocente”, diz a professora. Hoje, é impossível calcular a quantia gasta pelo dirigente com o time. “Ele fazia muita coisa escondido”, explica Mazé.

Diferentemente de parte da cartolagem do futebol brasileiro, José Abílio não usou o clube por interesse. Nunca almejou cargos públicos, nem retorno financeiro, pois a equipe mal possuía torcida. “Meu pai era maluco pelo Quixadá, gastar dinheiro com o time era seu vício”, constata José Azevedo. “Se não tivéssemos ganho na loteria, ele teria gasto o dinheiro que tinha com o time do mesmo jeito. Quando ganhou na loteria, ele pôde alimentar sua paixão”.

Essa reportagem foi publicada em 6/4/2008 no jornal O Povo, na série Verminosos por Bola.

 


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